Augusto Santos Silva, perante o estado maior dos agentes judiciais, Presidente da República e primeiro-ministro, referiu hoje como “muito rico o conteúdo dos relatórios que o Parlamento recebe das diferentes instituições” e propõe, por exemplo, que os deputados passem a receber mais informação do Ministério Público (MP) para além do relatório bienal de execução da política criminal.
Na abertura solene do ano judicial que decorreu esta terça-feira, o presidente do Parlamento questiona mesmo se “fará sentido” que o os deputados recebam “também, direta e formalmente, a síntese anual de atividades?”
A proposta vai mais além em relação à receção e análise de relatórios, tendo em conta que “hoje só o relatório da provedora de Justiça é obrigatoriamente objeto de debate parlamentar, em comissão e no plenário”.
É deixada outra questão: “seria possível e útil pôr em prática formas de apreciação parlamentar dos demais relatórios que incrementassem a sua visibilidade e permitissem mais direta interlocução a seu respeito?”.
Todas estas propostas surgem, segundo Santos Silva, “no respeito escrupuloso pelo princípio constitucional da separação e interdependência dos órgãos de soberania” sendo o “acompanhamento atento da atividade dos tribunais e demais operadores judiciais” uma “das funções parlamentares mais importantes”, conclui.
Este “acompanhamento” permite “compreender melhor a distinção entre o controlo de legalidade, que pertence à justiça, e a apreciação de mérito dos atos do Governo e da administração, que cabe ao Parlamento e às instituições da sociedade civil.”
E o presidente do Parlamento remata que tudo isto “recordando que o primeiro dever da ética republicana é respeitar o Estado de direito democrático e os seus princípios fundadores”, assegurando “todo o empenho para que se desenvolva este diálogo fundado na análise regular e sistemática de atividades e resultados”.
Os casos mediáticos e a opinião pública
Ficou ainda o elogio às "sínteses providenciadas" nos diversos relatórios dos operadores judiciais que chegam ao Parlamento. "São muitíssimo úteis para o trabalho dos deputados, em todas as dimensões", assume Santos Silva, quer para a "preparação, elaboração e avaliação das leis", quer para a "fiscalização dos atos do Governo e da administração pública", por exemplo.
Fica ainda um remoque de Santos Silva ao modo como são tratados pela opinião pública os casos mais mediáticos, sem contudo nomear nenhum. Os relatórios que o Parlamento recebe "oferecem uma visão de conjunto sobre realidades que, além de dinâmicas, são complexas, não podendo ser reduzidas aos aspetos mais episódicos e superficiais, mesmo se estes, por qualquer elemento de espetacularidade ou inesperado, suscitarem o interesse dos média e da opinião pública", diz.
Esta ideia vai ainda mais longe referindo mesmo que "se há área que é vítima da hegemonia comunicacional das emoções mais primárias e que requer a pedagogia cívica da necessidade de abordagens racionais e sistemáticas, essa área é, sem dúvida, a justiça".
Santos Silva diz não "pretender desvalorizar os problemas, antes pelo contrário" e que "a boa maneira de enfrentá-los é situando-os em contexto, quer no presente quer na linha do tempo, relevando os caminhos que provaram bem e devemos prosseguir, aqueles em que falhámos e que haveremos de abandonar, o pouco ou muito que já fizemos e o (sempre) muito que nos falta fazer".
Fica o elogio ao relatório de 2022 do Conselho dos Julgados de Paz, que "evidencia a utilidade deste meio não judicial de resolução de pequenos diferendos, assente na informalidade e na proximidade" e ao relatório da Provedora de Justiça que demonstra cabalmente a sua indispensabilidade, para acolher e encaminhar as queixas dos cidadãos face aos poderes públicos".
De resto, sobre a Provedoria de Justiça, refere que o trabalho deste órgão "ilustra a eficácia, visto que mais de metade das queixas são resolvidas a contento dos autores logo na fase de instrução processual", mas Santos Silva também refere que se trata de uma atividade sob "a enorme pressão em que a instituição se encontra, face ao forte crescimento dos procedimentos".
Trabalhar pela "clareza das leis"
Noutro ponto do discurso, o presidente do Parlamento frisou a "necessidade de melhorar substancialmente a maneira como o Estado e a administração respeitam os legítimos direitos das pessoas, singulares ou coletivas", ficando isso "bem patente no relatório de atividade dos tribunais administrativos e fiscais". Conclui que aqui "se manifesta a urgência em acudir à falta de meios do respetivo Conselho Superior, que lhe dificulta o cumprimento das suas obrigações de gestão e disciplina".
O Presidente do Parlamento quer ainda deixar claro o "quão infundadas são algumas ideias feitas sobre a nossa Justiça, que, contudo, circulam imperialmente pelo espaço público". E dá exemplos: a taxa de recusa de vistos a atos e contratos públicos, por parte do Tribunal de Contas, é baixíssima".
E há outro exemplo: em relação ao sistema prisional e de reinserção social, "o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção demonstra a justeza das ações de combate à pandemia e assinala o duplo facto de, não vivendo já o conjunto dos estabelecimentos prisionais um problema de sobrelotação, este afligir ainda alguns desses estabelecimentos". A ideia é que nem tudo é mau.
Santos Silva renova ainda que irá continuar a trabalhar pela "clareza das leis, entendida como rigor, simplicidade e compreensibilidade", linha central do discurso do Presidente do Parlamento na abertura do Ano Judicial do ano passado.