O Tribunal Constitucional (TC) considera que duas normas enviadas para fiscalização sobre as barrigas de aluguer violam a Lei Fundamental.
Em causa está o facto de as alterações aprovadas no Parlamento não admitirem que a gestante possa mudar de opinião e optar por ficar com a criança.
Os juízes consideram que as alterações limitam "a possibilidade de revogação do consentimento prestado pela gestante ao início dos processos terapêuticos de procriação medicamente assistida".
O TC explica que em causa está a "violação do direito ao desenvolvimento da personalidade da gestante".
“Ao abrigo do artigo 278 da Constituição da República, o Tribunal Constitucional pronuncia-se pela inconstitucionalidade das referidas normas por violação do direito ao desenvolvimento da personalidade da gestante, interpretado de acordo com o princípio do acordo da dignidade da pessoa humana e do direito de constituir família, em consequência de uma restrição excessiva dos mesmos.”
Os juízes anunciaram esta quarta-feira à tarde a decisão sobre a maternidade de substituição, uma parte da lei da procriação medicamente assistida que foi enviada para aquela instância judicial pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no final de agosto.
Esta foi a primeira vez que o Presidente da República recorreu ao Constitucional.
Marcelo chegou a promulgar a lei do Parlamento que previa, pela primeira vez, as chamadas barrigas de aluguer. Contudo, um grupo de deputados do CDS e do PSD pediu a fiscalização sucessiva da lei ao Tribunal Constitucional, que considerou o diploma inconstitucional por não prever um período de “arrependimento” por parte da gestante entre o nascimento da criança e a sua entrega aos “beneficiários”.
A lei voltou, então, à Assembleia da República, mas em comissão não foram feitas alterações substanciais nesse ponto, o que levou o Presidente a enviar a lei para o TC.
Bloco vai voltar a apresentar proposta
O Bloco de Esquerda (BE) promete recuperar o projecto de lei de alteração ao regime jurídico da gestação de substituição, as chamadas barrigas de aluguer.
A garantia é deixada pelo deputado Moisés Ferreira, que acusa a direita e o PCP de terem tornado inevitável o chumbo do Tribunal Constitucional (TC).
“A seguir às eleições legislativas, esta será certamente uma das primeiras matérias sobre a qual nos debruçaremos e voltaremos a insistir nesta iniciativa legislativa, nesta proposta que foi chumbada na legislatura que agora está a terminar”, afirma Moisés Ferreira, à Renascença.
O deputado sustenta que a proposta do Bloco de Esquerda “ia ao encontro daquilo que era proposto pelo Tribunal Constitucional e, se fosse aprovada, voltava a tornar acessível o acesso à gestação de substituição”.
“É preciso alterar o período até ao qual a gestante pode revogar o seu consentimento. É apenas isso que o Tribunal Constitucional, em abril de 2018, disse que era necessário fazer”, sublinha.
O Bloco de Esquerda espera que, das eleições legislativas de 6 de outubro, saia uma composição do Parlamento capaz de aprovar as alterações necessárias.
“Nós esperamos que haja uma relação de forças positiva, desse ponto de vista, saída das próximas eleições legislativas, mas esperamos também que os partidos que chumbaram esta norma, perante esta decisão do Tribunal Constitucional, reponderem a sua posição”, refere o deputado Moisés Ferreira.
CDS defende "outros caminhos" para mulheres que não possam engravidar
O chumbo do Tribunal Constitucional à lei da procriação medicamente assistida "não surpreendeu" o CDS, que defendeu esta quarta-feira em Torres Vedras "outros caminhos" para as mulheres que não possam engravidar.
À margem de uma ação de pré-campanha com a líder do partido, Assunção Cristas, a deputada Isabel Galriça Neto afirmou aos jornalistas que o chumbo do TC à alteração à lei da procriação medicamente assistida "não surpreende" e "vem reiterar o que o CDS disse há muito tempo".
"É um passo muito importante e o CDS está satisfeito com esta decisão", acrescentou.
O CDS-PP não tem "nem uma posição fechada, nem uma posição retrógrada" e defendeu que se deve "ir à procura de caminhos que acautelem os interesses das crianças, como a transplantação do útero".
"Temos de lutar bastante para que haja progressos científicos em termos de outras medidas alternativas, que permitam que outras mulheres, em determinadas condições, possam vir a ser mães", sublinhou.
“É verdadeiramente impossível fazer uma lei sobre uma matéria desta natureza”
O novo chumbo do Tribunal Constitucional à gestação de substituição não surpreende Ana Sofia Carvalho. Em nome pessoal, a professora do Instituto de Bioética da Universidade Católica, considera não fazer sentido voltar a legislar sobre as chamadas barrigas de aluguer.
Em declarações à Renascença, Ana Sofia Carvalho considera que a decisão conhecida esta quarta-feira confirma a sua posição pessoal, de que é “verdadeiramente impossível fazer uma lei sobre uma matéria desta natureza”.
A especialista defende que a Assembleia da República não deve voltar a legislar sobre as barrigas de aluguer.
[notícia atualizada às 01h30]