O líder do Chega, André Ventura, acusou esta quinta-feira o Governo de ter uma “atitude persecutória” dos polícias e de querer usar o partido e as forças de segurança como “bodes expiatórios” para desviar a atenção de outros assuntos importantes para o país.
André Ventura reagia deste modo à reportagem realizada por um consórcio de jornalistas de investigação, transmitida na quarta-feira pela SIC, na qual se revela que mais de três mil publicações de militares da GNR e agentes da PSP, nos últimos anos, mostram que as redes sociais são usadas para fazer o que a lei e os regulamentos internos proíbem.
“Quando o ódio veste farda” dá conta de que quase 600 polícias e militares da GNR que foram apanhados numa rede onde apelam à violência contra alegados criminosos, contra políticos, jornalistas e figuras públicas.
Segundo a investigação, todos os agentes e militares da PSP e da GNR que escreveram essas frases nas redes sociais estão no ativo.
“A atitude do Governo parece-nos uma atitude persecutória sobre as forças policiais. A atitude de querer espezinhar toda uma classe, com base em participações de mensagens em grupos privados para denegrir a sua imagem. Pior: fá-lo, procurando associar estas práticas a um determinado partido que é o Chega”, disse aos jornalistas, no parlamento, André Ventura.
“Volto a sublinhar que o Chega é frontalmente contra qualquer prática de racismo e de xenofobia, e continuará a fazer a luta que tem de fazer pelas forças policiais, pela sua dignidade e pela injustiça de que são alvo”, garantiu o antigo comentador de futebol associado ao Benfica.
Mostrando-se disponível para colaborar com a justiça se for necessário, Ventura acrescentou: “Não podemos tolerar que o Governo para distrair e desviar atenções dos múltiplos casos a ocorrerem no seu seio, queira agora tornar o Chega e as forças policiais no bode expiatório, nos próximos meses."
Esta quarta-feira, foi divulgado que a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) vai abrir um inquérito à veracidade das notícias que referem a publicação, por agentes das forças de Segurança, de mensagens nas redes sociais com conteúdo discriminatório e que incitam ao ódio.
Numa nota do gabinete do ministro da Administração Interna, é dito que José Luís Carneiro determinou à IGAI “a abertura de inquérito, imediato, para apuramento da veracidade dos indícios contidos nas notícias de hoje [quarta-feira] sobre a alegada publicação, por agentes das forças de segurança, de mensagens nas redes sociais com conteúdo discriminatório, incitadoras de ódio e violência contra determinadas pessoas”.
Nas reações partidárias ao caso, o Bloco de Esquerda pede a presença urgente do ministro da Administração Interna no Parlamento.
“Entendemos que é um tema preocupante e que merece explicações por parte do ministro da Administração Interna e tem de explicar ao país, para bem da credibilidade das forças de segurança, o que pretende fazer para lidar com este problema que a confirmar-se, revela uma infiltração estrutural da extrema-direita e do seu discurso violento, racista e de ódio, o que aliás, já vem sendo alertado por vários relatórios internacionais que apontam para esta conclusão”, disse a deputada Mariana Mortágua.
“Estes são crimes de ódio. São crimes de incitamento à violência e de racismo e, portanto, são crimes que devem ser combatidos e que não devem ser tolerados nas forças de segurança portuguesas. A confirmarem-se estas denúncias, estamos perante um problema grave estrutural, de infiltração da extrema-direita, do seu discurso de ódio e violência nas forças de segurança em Portugal”, acrescentou.
Já o PCP, classifica os comentários xenófobos e racistas por parte das forças policiais como "inaceitáveis".
João Oliveira, antigo líder parlamentar dos comunistas, diz esperar que sejam tomadas medidas quer na "seleção dos polícias" quer num " maior acompanhamento deste tipo de situações" por parte do IGAI e do Ministério Público.
O PCP diz que "não confunde todos os polícias" com os que "mancham a farda que envergam" e enalteceu que a investigação de um consórcio de jornalistas português "foi possível porque houve polícias que, não se revendo em tais conceções, colaboraram" para denunciar estes casos.
Quanto à possibilidade de o ministro da Administração Interna vir a ser ouvido na Comissão de Assuntos Constitucionais, como pede o Bloco de Esquerda, o social-democrata Fernando Negrão diz que é preciso aguardar pela votação.
“Na próxima reunião da comissão está agendado esse ponto, esse requerimento do Bloco de Esquerda para ouvir o ministro da Administração Interna, depois será discutido entre todos os grupos parlamentares, será votado e veremos o resultado dessa votação”, explicou Negrão, considerando, por outro lado, que é preciso aguardar pelas conclusões do inquérito do IGAI.
O também presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais sublinha que "os polícias" estão "obrigados a respeitar os direitos fundamentais", ainda assim, diz acreditar que a grande maioria das forças policiais não tem discursos de ódio e de racismo.
“Tenho a certeza que a grande maioria dos policias do nosso país não têm e nem estão integrados em estruturas dessa natureza. Para já a entidade competente para este efeito e para verificar a dimensão e a veracidade do que foi exposto na reportagem é o IGAI que faz parte do Ministério da Administração Interna e que tem autonomia no seu trabalho”, refere, Negrão.
O deputado do PSD diz acredita, com toda “a certeza” que “as conclusões e a fundamentação que nos trará a curto prazo, são confiáveis e, a partir daí, veremos a dimensão e se terá que avançar para outras entidades, nomeadamente o Ministério Público”.
Do conjunto de reações que, desde quarta-feira, estão a ser conhecidas, também as forças de segurança já se pronunciaram.
Primeiro a PSP que, em comunicado, veio esclarecer que vai participar às autoridades judiciais, os indícios revelados nesta reportagem.
Já a GNR apelou esta quinta-feira à denuncia de casos de discriminação e xenofobia detetados entre os seus elementos e garante que tem desenvolvido diversas ações sobre este problema.
Em declarações à Renascença, também o diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal alertou que o discurso de ódio de elementos das forças de segurança podem passar a "atos intimidatórios" e que não está surpreendido com a grande reportagem, cuja segundo episódio é emitido esta quinta-feira à noite.
Sobre os relatos, Pedro Neto que "algumas destas revelações são casos conhecidos e documentados e que é preciso perceber se houve consequências ou não".