Numa época não-Covid, nesta altura do ano José Oliveira não teria mãos a medir com o trabalho de hóspedes a entrar e sair do seu alojamento local. O empresário gere com a mulher, São, uma pequena quinta no Alentejo profundo. A “Horta da Quintã” fica no concelho de Mértola e tem capacidade para nove pessoas no máximo.
A clientela costuma ser sobretudo internacional, mas este ano a pandemia deixou os estrangeiros em casa. Em compensação, têm sido mais procurados por turistas nacionais.
“Sinto, de há um mês a esta parte, uma maior procura de turistas portugueses. Procuram espaços pequenos em que realmente sentem, talvez, uma maior proteção. As famílias que me têm contactado tentam estar sozinhas, evitam estar com outras pessoas. Portanto, juntam-se em grupos de amigos ou famílias para estarem sozinhos”, descreve José.
A procura faz-se sentir, mas para já a agenda não está composta e, naturalmente, muito longe dos anos anteriores.
“O turista português funciona mais em cima da hora. O estrangeiro consegue reservar com oito, nove meses, um ano, até antes; o português é para ontem”, diz.
Enquanto os clientes chegam e não chegam, na “Horta da Quintã” já está tudo pronto para receber os hóspedes com a segurança necessária.
“Temos o selo ‘Clean and Safe’, fizemos formação no Turismo de Portugal e estamos a acabar de adquirir os produtos e os materiais para poder fazer face à parte da circulação, da sinalização, segurança, higienização. Como estamos no Alentejo profundo e com a procura do mercado, não é fácil, os produtos não existem”, queixa-se.
Ainda assim, diz José, as coisas vão-se fazendo.
“Temos áreas definidas por quartos, quer a piscina, quer o ginásio, quer o horário para pequeno almoço. As circulações vão ser em sentidos obrigatórios e quase não há contacto com as pessoas”, descreve, embora reconhecendo que isto é tudo muito estranho, numa unidade que se pautava precisamente pelo contrário, pela proximidade com os clientes.
“Sentimo-nos quase como prisioneiros em casa, aquele contacto acalorado com as pessoas acaba por esfriar porque, para bem de todos, não pode ser”, diz.
Tentaram apoio, mas programa Adaptar já não tinha verba
José e São contam com a ajuda de uma terceira pessoa para manter o negócio. Apesar das dificuldades, não recorreram ao “lay-off” simplificado, nem a outra medida de apoio. Tentaram, no entanto, recorrer ao programa Adaptar para terem algum apoio no financeiro na aquisição dos materiais necessários para fazer a adaptação do espaço. Sem sucesso.
“A medida Adaptar era para pagar em 80% despesas até cinco mil euros. Só esteve aberto cinco ou seis dias, toda a gente concorreu e rapidamente se esgotou a verba”, lamenta.
José Oliveira queria que existissem “mais iniciativas destas, porque é uma despesa muito grande para empresas como a nossa”.
“Estamos a falar, por exemplo, de um litro de gel álcool a 30 euros. Agora já baixou, mas isto está tudo louco. As pessoas estão com dificuldades, não têm ocupação e depois para implementar as medidas de higienização e de segurança põem os produtos a preços altíssimos”, remata.
Sem clientes, mas ainda disposto a apostar no turismo
Mais a norte, no centro urbano do Porto, José Garcia é proprietário de um prédio com seis apartamentos de tipologia T0 para alojamento local.
“No presente, a ocupação é absolutamente marginal. No mês de junho começam a surgir algumas reservas, mas ainda é um mês com uma taxa de ocupação muito baixa. Ainda assim, começa a acontecer uma coisa nova que é ter mais reservas do que cancelamentos”, diz à Renascença José Garcia, dono e gestor da "Seventyset Flats".
E quem são esses turistas que já começam a aparecer? “Tenho muitos nacionais, mas também tenho internacionais. Estou a falar de reservas feitas agora para os meses de julho, agosto e setembro”, descreve.
Apesar das boas notícias, José Garcia mantém os pés na terra. “Não se deve ter elevadas expectativas em relação aquilo que irá ser o processo de recuperação. Vai ser preciso esperar pela confirmação do fim da crise pandémica para haver uma perspetiva de uma recuperação efetiva”, opina.
O momento tem sido difícil, reconhece, mas, ao que tudo indica, não terá ditado o fim da sua atividade graças a algumas seguranças adquiridas.
“Em primeiro lugar, ter capacidade para aguentar acidentes de percurso é fundamental em qualquer negócio; em segundo lugar as moratórias dos bancos realmente foi uma medida fundamental para aliviar a tesouraria das empresas e dar uma perspetiva de segurança e de sobrevivência”, diz José.
A isto acresce o facto de terem “muitas reservas feitas em regime de tarifa não reembolsável”. “Fomos convertendo em vouchers para reservas futuras, não perdendo esse encaixe e assegurando aos hóspedes a possibilidade de virem a usufruir da sua reserva numa data futura”, explica.
Pelo tom de José Garcia, percebe-se que nunca pensou em desistir do ramo. “Neste momento o turismo está suspenso, mas o futuro de Portugal passa seguramente pelo turismo e, portanto, parece-me que deverá ser um setor no qual, individualmente e em termos coletivos, devemos continuar a apostar”, assegura.
Questionado sobre se a fama de Portugal na gestão da crise pode ajudar à recuperação, José Garcia não tem dúvidas que isso pode ser “fundamental”.
“Escolher viajar já é um fator de exposição ao risco; se o destino for um fator adicional obviamente que isso será inibidor da opção desse destino enquanto opção de viagem”, argumenta.
José lembra que embora haja “uma certa necessidade na sociedade de lazer, de descanso”, “viajar não é, como é evidente, uma necessidade de primeira linha e, por isso, há hipótese de escolher ir ou não ir e, indo, quais os destinos que oferecem maior segurança”, remata.