No balneário do Pavilhão Municipal de Oliveira do Hospital, António Gouveia, nove anos senta-se ao lado do rapaz loiro e de olhos azuis e começa a gesticular. Entre os novos colegas de equipa não parece haver dificuldade na comunicação. “Não é bem falar, é comunicar com gestos. Isto é fixe, isto é olá, não comunicamos em ucraniano mas por gestos ele entende”, garante o atleta, elogiando a vinda do novo colega.
“Vai ser uma experiência boa, obviamente que para ele vai ser mais difícil, porque não é no gelo, mas não vai haver problema porque ele fica à baliza”, observa, pegando no stick para jogar a bola, que no gelo tem a designação de disco.
Com oito anos, Anatoly Svistun, sorri timidamente. Teve de deixar Kiev onde jogava hóquei no gelo, representando o Hockey Club Sokil Kyiv, uma equipa da Liga Profissional com sede na capital da Ucrânia. Participou em torneios ucranianos e internacionais.
Já tinha experimentado patins de quatro rodas, mas é no gelo que se sente em casa. “Ele diz que está bem, mas sonha em patinar no gelo”, insiste a tradutora Antonina Fishchenko, 32 anos, a trabalhar há seis numa grande superfície comercial em Oliveira do Hospital. Está sem notícias da avó que vive em Donetsk.
Por estes dias ajuda na comunicação quando ela ainda acontece.
Em Oliveira do Hospital não há gelo, mas Jorge Gouveia, 45 anos, diretor da Secção de Patinagem garante que tudo vai fazer pelo acolhimento do novo atleta. “No escalão dos sub-9, com meninos entre os sete e nove anos, vamos fazer a integração com a mesma valência de guarda-redes e que seja uma mais valia estar inserido numa equipa. O desporto é importante, mas mais importante é tê-lo fora daquele ambiente de guerra, distrair-se um bocadinho. Fazemos dois treinos semanais e vamos conseguir inseri-lo e federá-lo para que possa estar nos torneios e possa ter um seguro. A associação de Patinagem de Coimbra, cedeu-nos gratuitamente essa inscrição, temos apoios e patrocinadores para equipamentos”, revela o responsável.
“Temos uma pessoa em comum, que está envolvida no meio do desporto, com empresa mundial nessa área e com representação de atletas e questionou-me se havia a possibilidade de receber um atleta da Ucrânia e aceitámos este desafio, não merecem o que estão a passar e merecem fazer o que mais gostam”, explica Jorge Gouveia sobre o processo da vinda do jovem para aquela equipa.
Vladimir Svistun, 40 anos, construtor civil é o pai do novo guarda-redes de Oliveira do Hospital. Fugiu da guerra com a mulher e 4 filhos. “Tive sorte, porque era cada vez mais difícil sair”, conclui, enquanto assiste aos treinos na companhia da filha Lyudmila, 10 anos.
“Gosto de estar aqui mas vou voltar para trás, lá tenho os meus amigos, o meu mundo”, confessa a irmã de Anatoly.
A família chegou dia 28 de fevereiro à Figueira da Foz, onde já tinham familiares com nacionalidade portuguesa à sua espera.