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Há nove anos que o número de famílias portuguesas a caírem em situação de insolvência não era tão baixo. Em 2020, ano em que a pandemia da Covid-19 se abateu sobre o país sem piedade, houve 6.091 famílias que faliram. Em comparação com o ano anterior a queda foi de 31%, sendo que em 2019 foram 7.996 famílias a declarar insolvência.
Os números foram compilados pela Associação Portuguesa de Administradores Judiciais (APAJ), tendo por base os dados oficiais da Direção-Geral da Política de Justiça (DGCP).
Num ano de quebra histórica do PIB - 7,6% em relação a 2019 -, motivada pela crise económica criada pela disseminação do novo coronavírus, seria de esperar que as famílias portuguesas não aguentassem o embate com a nova realidade da economia nacional, mas não foi isso que, para já, aconteceu. Porquê?
O presidente da APAJ, Rui Giesteira, apresenta a razão que lhe parece mais lógica para este aparente paradoxo. “A questão das moratórias tem tido o efeito de as pessoas não necessitarem de se apresentarem à insolvência. Como não estão em mora, não se sentiu ainda esse efeito”, explica.
As moratórias somavam no final de abril deste ano, segundo os dados do Banco de Portugal, um total de 39,3 mil milhões de euros em crédito.
Passado pode antever o futuro
A verdade é que desde o pico da anterior debacle económica, a crise do "subprime", que Portugal tem apresentado uma tendência decrescente de número de insolvências de famílias. Depois de em 2013, 2014 e 2015 ter apresentado os valores mais altos da década com números sempre acima dos 10 mil, os últimos anos têm sido de descida. Mas isso não deixa Rui Giesteira mais confortável em relação ao futuro. O passado deixa o aviso.
“Se compararmos com a crise de 2008, o efeito das insolvências só se refletiu passado alguns anos. O ano em que houve mais insolvências foi só em 2013 em que houve mais de 16 mil processos [soma dos casos de famílias e de empresas]. Será sempre um efeito mais retardado”, avança.
O líder da APAJ assegura que, normalmente, quando existe uma crise, primeiro são as empresas que sentem. Isso cria posteriormente um efeito dominó, uma vez que esse fenómeno dá origem a um aumento do desemprego, que, por sua vez, motivará os processos de insolvência singulares.
“O efeito não é imediato. A crise existe, muitas empresas estiveram impossibilitadas de trabalhar”, lembra Giesteira.
Um processo no início
Esta expectativa é partilhada pela associação de consumidores DECO, e pelo especialista em finanças e consultor da Associação Portuguesa de Bancos, o professor do ISEG Pedro Fernandes.
O fim da moratória ao crédito pessoal, que pelo peso que tem nos orçamentos familiares e os prazos mais curtos, e o término da moratória pública a dois tempos (primeiro os juros em setembro e do capital no fim do ano) poderão mudar o cenário que se viveu no ano passado.
Rui Giesteira diz que com o início do pagamento de juros em setembro, relativos à moratória pública (cuja data para início do pagamento do capital foi, entretanto, adiada para o fim do ano), “já se entrará em algum incumprimento e dará origem a um aumento dos processos de insolvência”.
Aliás, este ano, os números de insolvências de famílias até maio são já um pouco reflexo de uma dinâmica de agravamento do número de insolvências. Se olharmos para o conjunto dos primeiros cinco meses, o comparativo ainda mostra uma redução de 3% em relação ao mesmo período do ano passado. No entanto, olhando para os meses de abril e maio, já vemos um aumento de 28% e 46%, respetivamente.
Os dados da APAJ mostram ainda que, no ano passado, o número de insolvências de empresas foi de 2.253 (uma subida residual de 52 casos relativamente a 2019).
Os dados da DGCP dão razão à tese de Rui Giesteira em relação à forma como as insolvências passam das empresas para as famílias. Na crise do "subprime", o número começou a subir exponencialmente um ano antes, em 2011, antes do que aconteceu com as famílias.
Por fim, o presidente dos administradores judiciais acrescenta que o ano que terminou trouxe uma outra boa notícia em termos de insolvências. “Houve uma redução de quatro mil casos pendentes nos tribunais, com menos processos, e uma maior tramitação porque os processos de insolvência nunca se suspenderam, houve um aumento do encerramento dos processos”, remata Rui Giesteira.