Desde 20 de Janeiro de 2017, dia em que Donald Trump tomou posse como 42º Presidente dos Estados Unidos, que corre uma campanha para a sua destituição.
Em causa, estão os negócios de Donald Trump nos Estados Unidos (EUA) e no estrangeiro, que colocam o Presidente numa situação de conflito de interesses. O movimento “Impeach Trump Now” quer impugnar o Presidente dos EUA por alegadamente violar uma cláusula da Constituição norte-americana que impede o chefe de estado de receber pagamentos de Estados ou líderes estrangeiros.
Em entrevista à Renascença, Ron Fein, da Free Speech For People, uma das organizações que dinamiza o processo de impugnação, acredita que Trump será destituído porque “cada dia que passa são reveladas mais relações desagradáveis do Presidente”.
Apesar de a destituição depender da Câmara dos Representantes e do Congresso (republicanos como Trump), Ron Fein pensa que “vão chegar a um momento em que vão estar fartos de Trump”.
A Free Speech For People lançou o movimento "online" “Impugnação de Trump Agora” (“Impeach Trump Now”) no dia da tomada de posse. Porquê logo nesse dia e não esperar e avaliar o desempenho de Donald Trump?
Lançámos a campanha no dia da tomada de posse porque sabíamos - e o mundo também sabia, pelo menos há 10 semanas - que Trump estaria a violar a Constituição dos Estados Unidos desde o seu primeiro momento enquanto Presidente. A razão é simples. Donald Trump é dono de dezenas de empresas, quer nos EUA, quer em outros países que recebem pagamentos de governos estrangeiros. E, em alguns casos, do governo federal dos EUA ou dos estados. É uma violação de uma disposição especial da nossa Constituição contra a corrupção.
Uma realidade sobejamente conhecida que não impediu Donald Trump de tomar posse.
Trump foi avisado logo após a eleição, antes da tomada de posse, que a única forma de resolver este problema era vender as empresas antes de se tornar Presidente. E que, se não o fizesse, estaria a violar a Constituição desde o seu primeiro dia. Ele escolheu fazer o que fez. Por isso, lançámos a campanha logo no primeiro dia.
Quantas assinaturas já recolheram através do site impeachdonaldtrumpnow.org?
Já temos perto de um milhão de assinaturas, de pessoas um pouco de todo o país. Neste preciso momento, estamos acima das 990 mil assinaturas. Mas, mais importante do que as assinaturas que recolhemos através do site, é o facto de as pessoas irem às assembleias das câmaras municipais e pedir aos executivos locais que votem. Para que a cidade faça seguir o pedido para o Congresso - o órgão de soberania que pode conduzir uma impugnação - para que dê início ao processo.
Quantas cidades já fizeram esse pedido?
Cinco cidades, um pouco por todo o país, já votaram a favor da impugnação e outras vão fazer o mesmo. A mais recente foi Cambridge City, no Massachusetts. Richmond (na Califórnia) foi a primeira cidade a votar a favor. Até agora, votaram também Berkeley e Alameda, na Califórnia, e Charlotte, uma pequena cidade no Vermont.
Cidades que votaram em Hillary Clinton?
As cidades que votaram a favor da impugnação de Donald Trump pertencem a estados que, no geral, votaram contra ele. Mas o que é importante é que esta campanha pela destituição não é a favor de Hillary Clinton. Não tem apenas a ver com o facto de haver pessoas insatisfeitas com o resultado das eleições. O Presidente eleito escolheu violar a constituição e enquanto continuar a fazê-lo, vai estar sempre em risco de ser destituído.
Quais são os principais passos do processo de impugnação?
Nos EUA temos três ramos de Governo: o congresso, os tribunais e o Executivo - que é liderado pelo Presidente. O Congresso, o Presidente e o Executivo, são ramos completamente separados. Não é um sistema parlamentar, como acontece em muitos países europeus. O Congresso, por sua vez, tem duas câmaras: a Câmara dos Representantes e o Senado.
No processo de impugnação, primeiro, metade mais um da Câmara dos Representantes tem de votar a favor. O que equivale a acusar o Presidente de uma ofensa que justifique a sua destituição do cargo. E depois, segue-se um tribunal no Senado. E seriam necessários dois terços dos votos a favor da impugnação, para fosse destituído.
Um processo que só foi desencadeado por três vezes - com Andrew Johnson, Richard Nixon e Bill Clinton - e com apenas dois Presidentes foi levado até ao fim.
É um processo que, ao longo de mais de 200 anos, tem sido utilizado poucas vezes na nossa história. Tivemos três Presidentes que foram alvo de processos de impugnação. Ainda mais importante, especialmente por ter sido um exemplo, em 1974, o Presidente Richard Nixon demitiu-se do cargo logo após início dos procedimentos, antes do processo ter terminado. Nixon percebeu o rumo que as coisas estavam a tomar e não quis passar pela vergonha de ter que passar por todo o processo, que provavelmente iria culminar na sua destituição.
Bill Clinton preferiu passar pelo processo de impugnação e foi ilibado.
Exacto. Bill Clinton foi o último Presidente a ser alvo deste procedimento. Embora a Câmara dos Representantes tenha votado a favor da sua destituição, não foi condenado no Senado. Por isso, terminou o seu mandato.
Se o processo avançar, e na medida em que a Câmara dos Representantes e o Senado são ambos republicanos, isso é algo que pode acontecer com Trump?
É possível. O que irá acontecer é que cada dia que passa, são reveladas mais relações desagradáveis do presidente, mais corrupção e mais violações à nossa Constituição. E penso que o povo dos EUA e também o Congresso - incluindo membros do Partido Republicano - vão chegar a um momento em que vão estar fartos de Trump.
Se esse momento chegar o que acontecerá ao Presidente dos EUA?
Se o Presidente for destituído o vice-presidente assume o cargo. Mike Pence é do mesmo partido político que Donald Trump [ambos republicanos]. E, num determinado momento, até o partido maioritário na Câmara dos Representantes e no Senado vai dizer basta, já chega. Aí, ou dão início ao processo de impugnação ou então Trump pede a demissão.
Se Mike Pence algum dia se tornar Presidente dos EUA, os argumentos que evoca para a destituição de Trump, relacionados com a violação da Constituição, deixam de fazer sentido?
Se o vice-presidente vier a tornar-se Presidente dos EUA terá oportunidade de demonstrar que está disposto a cumprir a Constituição. Na sequência de uma destituição, com certeza que vai estar sob um escrutínio mais apertado. Porque a acontecer, a destituição provará que ninguém está acima da lei, nem mesmo o Presidente.
Quão difícil será obter provas que sustentem os argumentos onde se baseia a impugnação?
Já temos algumas, recebemos as provas no dia em que tomou posse. São provas que dizem respeito a alguns pagamentos de governos estrangeiros, que Trump recebe regularmente. Desde Janeiro que recebemos novas informações, praticamente todos os dias. Informação de pagamentos recebidos de outros governos estrangeiros e do governo federal, informação acerca da forma como o Trump usa as Finanças públicas para se enriquecer. As provas continuam a aumentar. Vai chegar a um ponto que vai ser impossível para o Congresso continuar a ignorar a situação.
A informação que consta do processo de impugnação tem alguma relação com as alegações do envolvimento da Rússia na eleição de Trump?
Estamos a observar muito de perto os desenvolvimentos relativos a essas alegações. Porque, de facto, as probabilidades de que a campanha de Trump se tenha coordenado com oficiais e/ou agentes russos estão a aumentar. As provas ainda não são conclusivas e também ainda não estão completamente desenvolvidas. Mas é um assunto que mantemos debaixo de olho para ver como se desenrola.
A vossa campanha não tem, portanto, a ver com estas alegações mais recentes.
Até agora baseamos a nossa campanha nas questões que têm a ver com corrupção. Porque desde o dia da tomada de posse que as evidências de corrupção são as provas mais fortes que temos. E a corrupção pode estar ligada a esta alegada influência russa nas eleições.
O país está muito dividido entre os que americanos que elegeram Trump e os que votaram em Hillary. Se Donald Trump for destituído, o fosso entre uns e outros não vai aumentar?
Logo que Trump seja destituído, precisamos de passar por um processo de cicatrização a nível nacional para que nos possamos voltar a unir enquanto país. Muitas pessoas que votaram em Trump pensaram que ele ia - para usar a expressão que ele próprio usou - secar o pântano da corrupção. E muitos estão profundamente desapontados com o realmente aconteceu. O índice de popularidade de Trump atingiu níveis historicamente baixos para um presidente há tão pouco tempo no cargo. Quando nos livrarmos da presidência de Trump, vamos continuar a ser um país a precisar de cicatrizar para voltar a aproximar as pessoas.
Trump usa e abusa do Twitter, uma forma de comunicar, no mínimo, estranha. Pelo menos, para nós portugueses.
É muito estranha também para nós. E quero desde já pedir desculpa ao povo português pela forma como Donald Trump se comporta no Twitter. É muito pouco comum.
Tencionam utilizar alguns dos tweets de Trump como prova no processo de destituição?
A Trump aplica-se o ditado pela ‘boca morre o peixe’. Ou seja, é muitas vezes enforcado pelas suas próprias palavras. Isso acontece com coisas que escreveu sobre diversos contextos, não só sobre a impugnação. Neste momento, Trump está envolvido num processo judicial onde está a ser indiciado por incitar à violência num dos seus comícios. O juiz focou-se nas palavras que o Presidente, então candidato disse [escreveu]. Em relação à destituição, ele tem sido muito generoso a fornecer provas contra si próprio no Twitter e para todo o mundo ver.
Para o ano há eleições intercalares que podem alterar a composição da Câmara dos Representantes e do Senado, em consequência, a impugnação. Quanto tempo pode demorar o processo?
É difícil prever com exactidão. Especialmente quando se trata de Donald Trump, as pessoas que fazem previsões estão frequentemente erradas. Diria que se pensarmos na destituição como um processo que vai avançando de lenta e consolidada, isso seria incorrecto. É mais provável que aconteça de forma exponencial. Ou seja, durante muito tempo, durante meses pode parecer que nada acontece. E, de repente, vai acontecer qualquer coisa, alguma revelação nova, por exemplo. Ou talvez novos tweets, algum facto novo. Aí, o apoio que tem pode evaporar-se. E então a impugnação prosseguirá de forma muito rápida.
Qual é a probabilidade de Trump vir a ser destituído?
Se olharmos para as casas de apostas, por exemplo, em Londres e também noutros sítios, dizem que há 25% de probabilidades de Trump ser destituído - este valor refere-se apenas ao primeiro ano de mandato. E a partir daí, as probabilidades são sempre a subir.
Se a impugnação avançar até ao ponto onde chegou o processo a Nixon, é provável que Trump se demita para evitar a destituição?
É difícil dizer. Por um lado, Nixon tinha um sentimento da sua própria dignidade e um desejo de evitar passar pela vergonha de se tornar alvo do ridículo - penso que Trump não partilha desse sentimento. Mas, por outro lado, Trump tem muito dinheiro e poderia estar a fazer outras coisas. Pode chegar a um momento em que prefira dedicar-se ao golfe a ter que lidar com investigações federais.
Se Trump vender todas empresas e explicar as acusações de alegada corrupção, isso pode significar o fim do processo de impugnação?
Uma violação à lei não desaparece no momento em que deixamos de o fazer. Em termos legais, se cometemos uma ofensa, o que está feito, está feito. Se mais tarde deixamos de violar a lei, isso apenas quer dizer que parámos. Não quer dizer que nunca o fizemos.
Como é que a Free Speech For People se financia?
Através de uma combinação de fundações, alguns doadores individuais importantes e também recebemos apoio financeiro directamente das bases, através de pessoas que fazem donativos através do site, ou de outras formas. Nesta campanha pró-impugnação temos também o apoio de uma organização chamada RootsAction que angaria verbas online. A campanha de destituição de Trump é gerida pelas duas organizações em simultâneo.
Têm financiamento independente.
Sim, exacto.
Existem outras campanhas em curso, embora tenham sido lançadas depois, com o mesmo objectivo de destituir Donald Trump.
Agradecemos o apoio de todos os que contribuem para o esforço de levar a destituição por diante. Mas não estamos afiliados a nenhum partido político ou candidato. Somos um movimento completamente apartidário que está interessado em repor o estado de direito e o princípio de que ninguém está acima da lei, nem mesmo o Presidente.
Se o vice-presidente Mike Pence assumir o cargo levará o mandato até ao fim ou serão convocadas eleições antecipadas?
Se Trump for destituído, Mike Pence assumirá o cargo e levará o mandato até ao fim. Foi isso que aconteceu com o presidente Richard Nixon. Claro que há a possibilidade de as correrem de outra forma, mas isso depende do que se vier a descobrir no decorrer da investigação ao envolvimento russo. No caso de Pence levar o mandato de Trump até a fim, aí pode candidatar-se na eleição seguinte.
Mike Pence é considerado um conservador com posições mais extremadas que as de Donald Trump. O que pensará o eleitorado que não votou directamente nele?
Se Mike Pence se tornar Presidente, nesse momento terá a oportunidade de unir o país. Poderá agir como um pacificador entre posições - se for essa a sua escolha. Se escolher governar de forma extremada, ou ainda pior, se violar a Constituição como Donald Trump está a fazer aí teremos que falar mais sobre ele.