​Ultrapassados por quem?
26-12-2022 - 06:00
 • *João Confraria

Graças ao esforço em educação das últimas décadas, muitos dos mais jovens sempre estão bem preparados para participar no mercado de trabalho europeu qualificado. A economia portuguesa ganha alguma coisa com isso? Logo se vai ver.

A previsão de que a Roménia nos vai ultrapassar parece ser causa de angústia doméstica. Realmente, há mais de 150 anos que a nossa política económica tem o atraso em relação à “Europa” como uma das referências fundamentais.

Esta história da Roménia, dá ideia de que nunca saímos do mesmo sítio. Podemos ter uns períodos de crescimento mais rápido, mas logo a seguir voltamos à “cauda da Europa”.

Tudo isto se baseia na utilização de um indicador, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita. O PIB é uma das invenções mais populares dos economistas. Resolve um problema simples, mas quase inultrapassável até aos anos 40 do século passado: medir a atividade económica de um país e arranjar um indicador do seu nível de vida médio. É agora o que mais se usa nas comparações internacionais. Chega? Não!

Tem limitações bem conhecidas. Há uns anos as Nações Unidas deram uma contribuição adicional com um indicador a que chamaram de desenvolvimento humano que, basicamente acrescenta indicadores de educação e de saúde ao rendimento nacional (conceito semelhante ao PIB).

Quando se tem isto em conta a posição de Portugal modifica-se. Olhando para os resultados de 2021, e comparando com os 27 países da União Europeia, Portugal está em 19.º em termos de rendimento nacional per capita, mas em 21.º em termos de indicador de desenvolvimento humano. Ficamos pior!

Agravam-se as causas da nossa depressão? Só em parte! Ficamos pior porque a escolaridade média da nossa população é muito baixa, fruto de erros passados, estamos em 27.º entre os 27 países da União Europeia nessa matéria. Mas olhando para a escolaridade esperada das gerações mais jovens já brilhamos. Ficamos em 9.º logo a seguir à Alemanha.

Na esperança de vida à nascença, também não parecemos mal, em 14.º. E o crescimento médio anual do indicador de desenvolvimento humano envergonha o do PIB. Na década de 90 ficamos só atrás da Irlanda! A primeira década do milénio foi fraquita, ficámos em 19º, mas entre 2010 e 2021 lá conseguimos um honroso 6.º lugar.

Estamos em grande? Talvez não. Ajustando o indicador de desenvolvimento humano por um indicador de desigualdade no rendimento, na educação e na saúde, lá ficamos outra vez mal, quase em último, em 25.º, juntinhos à Espanha, para servir de conforto.

Para melhorar o ânimo podemos fazer um ajustamento diferente, com um indicador ambiental, que traduza a pressão que a nossa atividade exerce sobre os recursos do planeta. Aí já estamos em 8.º, ou entre os oito melhores, como se dizia no Mundial, depois de termos sido eliminados.

Em que é que ficamos?

Sai daqui o retrato de uma economia que cresce pouco, mas com indicadores razoáveis, no quadro da União Europeia, na educação, na saúde e no ambiente. Ficamos contentes com isto? Temos algum mérito. Os resultados na educação e na saúde acontecem pela ação de sucessivos governos democráticos. Os ambientais também, mas ajudados pelo menor nível de atividade e pelo tipo de especialização produtiva, influenciada pelo sol, pelo mar e pelos estuários dos rios.

Combinando os indicadores de educação com um baixo nível de crescimento, é claro que estamos a fazer um esforço grande, a pagar o ensino público e o ensino não estatal, para formar quadros que, em boa parte, vão encontrar emprego no estrangeiro. É mau? É. Estamos a gastar recursos que vão contribuir para a economia alemã, francesa ou inglesa. É a pátria madrasta com a sua juventude, de quem se diz que é a mais bem preparada de sempre? É a história do copo meio vazio e do copo meio cheio. As gerações atuais de emigrantes serão aquelas para quem a pátria foi menos madrasta.

Ao longo de quase todo século XX, a educação não estava acessível a muitos e, assim, quem emigrava participava na força de trabalho europeia, brasileira, americana com as ocupações menos qualificadas, mais duras e mais mal pagas. Isto para não falar na geração de emigrantes da década de 60, até 1973, que se sacrificou na guerra do Ultramar e, na volta, nem parou por aqui, seguiu viagem para a França e para a Alemanha, muitos só com a roupa no corpo e com as qualificações da tropa.

Graças ao esforço em educação das últimas décadas, muitos dos mais jovens sempre estão bem preparados para participar no mercado de trabalho europeu qualificado. A economia portuguesa ganha alguma coisa com isso? Logo se vai ver. Não sei se podemos esperar das gerações mais novas a impressionante ligação ao país dos emigrantes dos anos 50, 60, 70 e 80, que nunca deixaram de investir cá as suas poupanças, mesmo no meio dos disparates que por aqui se acumulavam. O melhor é não contar com isso.

No fundo o problema é ver se conseguimos desencantar uma via de crescimento sustentável, garantir um aumento do nível de vida, pagar a saúde e a educação e criar uma sociedade mais equitativa.

Com isso até podemos atrair de volta os atuais emigrantes. Parecem ser estas as preferências da maioria dos portugueses atuais. Mas não há consensos mínimos sobre a forma de lá chegar. Prevalecem as preocupações por sermos ultrapassados pela Roménia ou os elogios por convergirmos para a França ou para a Itália. Até pode ser tudo verdade ao mesmo tempo, mas não se resolve nada assim.


*João Confraria, Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics