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Não foi o primeiro a fazê-lo, mas mesmo assim apanhou o mundo de surpresa e chocou tudo e todos quando anunciou a sua resignação. No dia 28 de fevereiro de 2013, cerca de duas semanas depois do anúncio, chegava ao fim o pontificado do Papa Bento XVI.
Centenas de milhares de pessoas acorreram à Praça de São Pedro para assistir à sua última audiência geral. Uma multidão um pouco mais pequena esteve presente na praça que dá para Castel Gandolfo, onde o Papa se encontrava quando, pelas 20h, passou a ser conhecido como emérito.
A estes fiéis o Papa explicou, com tremenda serenidade: “Já não vou ser Sumo Pontífice. Vou ser um peregrino que inicia a última etapa da sua peregrinação na Terra.” E recolheu-se para uma vida dedicada à oração.
Depois de ouvir o Papa a anunciar que ia renunciar, em fevereiro de 2013, o Cardeal Sodano disse que a notícia era como um “relâmpago num céu sereno”. Horas mais tarde, um fotógrafo registava a imagem de um raio a acertar num para-raios na Santa Sé.
Bento XVI foi o sexto ou sétimo Papa a resignar – havendo dúvidas em relação aos factos históricos que rodearam o fim do pontificado de Clemente I, no primeiro século. Mas o único caso comparável ao seu é o de Celestino V, que resignou por vontade própria e não por qualquer fator externo. Quando o Papa visitou as relíquias de Celestino V no dia 4 de julho de 2010, deixou no túmulo o seu pálio, símbolo da sua autoridade.
A data escolhida pelo Papa para anunciar a sua resignação, por motivos de fragilidade de saúde, foi 11 de fevereiro, dia de Nossa Senhora de Lourdes e dia Mundial do Doente.
Depois de resignar, Bento XVI manteve o seu título, passando a ser conhecido como Papa emérito, e manteve também as suas vestes brancas, mas foi logo anunciado que não iria voltar a ser cardeal, pelo que não participaria nos consistórios que viessem a ser convocados.
No dia 23 de março o Papa Francisco foi a Castel Gandolfo visitar Bento XVI. Foi a primeira vez que o mundo pôde ver dois papas da Igreja Católica reunidos.
A 2 de maio de 2013, Bento XVI regressou a Roma, passando a viver quase paredes meias com o Papa em exercício, algo que também nunca tinha acontecido na História da Igreja. Mais uma vez o mundo pôde ver dois papas juntos, uma vez que Francisco foi receber Bento XVI quando este chegou ao mosteiro para onde foi viver.
A cena invulgar repetiu-se algumas vezes, mas muitos outros terão sido os encontros privados entre os dois papas. Para a história fica o episódio em que o Papa Francisco, tendo desaparecido inesperadamente do refeitório da Casa de Santa Marta, durante o pequeno-almoço, foi encontrado a caminho da residência de Bento XVI com um saco cheio de croissants para dar ao seu antecessor: “Acabadinhos de fazer, como ele gosta”.
O Papa Emérito escreveu um ou outro artigo, documento ou prefácio e deixou-se entrevistar por Peter Seewald para um livro que foi publicado em 2017, chamado “Últimas Conversas”. Em fevereiro de 2018 escreveu uma carta, publicada por um jornal italiano, em que se revelava maravilhado pelo amor que o rodeava nesta última fase da sua “peregrinação a casa” e confessava um “lento declínio das forças físicas”.
Apesar de ser frequentemente caracterizado por oposição a Bento XVI, o Papa Francisco nunca contribuiu com qualquer palavra para essa ideia, fazendo sempre questão de elogiar o Papa emérito e citando-o profusamente nos seus documentos, na tentativa de mostrar mais claramente a continuidade de pensamento entre ambos.
Ainda assim, houve dois momentos de crispação. Em abril de 2019, no auge de mais uma polémica sobre os abusos sexuais, escreveu uma carta sobre as razões por detrás dos abusos, culpando essencialmente a cultura predominante e a revolução sexual, com as suas raizes nos anos 1960. Na altura foi interpretado por alguns como uma forma de contrariar o Papa Francisco, que tem posto a culpa numa cultura eclesial de excessivo clericalismo. Bento XVI nunca alimentou essa tese e não há razão para não terem ambos razão.
Potencialmente mais grave foi a publicação, em janeiro de 2020, de um livro do cardeal Robert Sarah a defender a manutenção do celibato obrigatório na Igreja de rito latino, numa altura em que Francisco se preparava para se pronunciar sobre o assunto para a região da Amazónia. O livro começou por ser atribuído a Sarah e a Bento XVI, mas mais tarde o secretário pessoal do Papa emérito afirmou que este nunca aceitou que o seu nome aparecesse como coautor do livro, embora reconhecesse que tinha contribuído para o livro com um texto por si escrito.