Nas últimas eleições o Bloco ficou próximo de garantir lugares na vereação da CML. O que é para si um bom resultado?
Estamos numa situação diferente. Sinto-o na rua, já estou em campanha nas ruas de Lisboa há algumas semanas e a receptividade das pessoas é muito diferente. As pessoas recebem-nos com muita simpatia, vêm-nos contar das suas preocupações, as suas necessidades, as suas dificuldades na cidade e portanto temos a esperança e a expectativa de que o resultado será bastante bom. Um bom resultado é termos uma representação na Câmara, pode fazer muita diferença.
Nos últimos quatro anos estive na assembleia municipal, que é órgão que fiscaliza a Câmara, mas a capacidade de intervenção, de poder condicionar, de propor, de melhorar o que são as decisões da cidade essas fazem-se na Câmara.
Hoje o país tem um Governo socialista mas suportado pelos partidos à esquerda do PS. Por que razão não é possível uma solução idêntica em Lisboa?
Em Outubro de 2015 houve um milhão de votos à esquerda do PS que permitiram uma mudança representativa e real na vida das pessoas. As pessoas hoje sabem que as suas vidam melhoraram porque existiu essa maioria de um milhão de votos à esquerda do PS.
Em Lisboa tivemos 10 anos de governação do PS em maioria absoluta na cidade e ficou o que era o mais importante por fazer. Estas maiorias absolutas são auto-suficientes e portanto não vão ao que é mais importante para as pessoas. E o mais importante temos definido nesta campanha que é a habitação e os transportes.
O que é que mais critica na gestão autárquica em Lisboa?
Lisboa melhorou em alguns aspectos, mas aquilo que é mais importante na vida das pessoas, a habitação e os transportes, ficou tudo por fazer. Os programas eleitorais do PS de 2007, 2009 e 2013 todos diziam o que diz agora o candidato Fernando Medina, "desta vez é que é", "desta vez é que vamos tratar da habitação”, "desta vez é que vamos tratar do problema das creches", "desta vez é que vamos tratar do problema dos transportes, do trânsito infernal, dos transportes públicos". O problema é que as pessoas percebem que perante uma maioria absoluta, o “desta vez é que é” passou a ser nunca será.
Fui ler o programa do PS em 2013, onde Fernando Medina foi eleito número 2, que dizia na página 25 que se iria privilegiar a reabilitação de edifícios para renda acessível com vários programas municipais, entre eles o Reabilita Primeiro Paga Depois. Fui consultar os dados sobre este programa e foram vendidos 100 imóveis entre 2013 e 2015, no valor de 33 milhões de euros, e não há um que seja para renda acessível. A CML transformou-se numa agência imobiliária que contribui para a especulação na cidade mas que não dá nenhum contributo para resolver o problema da habitação.
Se o PS vencer as eleições sem maioria absoluta e necessitar de algum apoio de outra força partidária, o BE estará disponível para garantir uma solução estável?
O BE estará disponível para assumir todas as suas responsabilidades de acordo com o seu programa e sobretudo garantir que estes problemas que são o da mobilidade, dos transportes, do trânsito e da habitação, são de facto resolvidos. Estamos disponíveis para isso.
Não há aqui uma contradição quando critica a gestão de Fernando Medina mas diz-se disponível para integrar uma solução para garantir uma maioria estável com o PS.
Digo-me disponível para garantir que estes pilares fundamentais da vida das pessoas são de facto implementados. Não há nenhuma contradição nisto.
Fernando Medina já mostrou a sua oposição à proposta do próprio PS de fazer depender da autorização para alojamento local de vizinhos de condomínios. Tem a mesma posição?
Já nos pronunciámos sobre isso, entendemos que a proposta do PS não faz qualquer sentido porque colocar nas mãos das assembleias dos condóminos não resolve nada porque se tivermos, por exemplo, um prédio onde há uma maioria de um proprietário que comprou vários apartamentos e portanto impõe a sua vontade na assembleia de condóminos, pode prejudicar os outros através desse mecanismo.
Mas o problema fundamental e sobre o qual Fernando Medina não se pronuncia é sobre a concentração do alojamento local em algumas zonas da cidade. Em Santa Maria Maior, a freguesia do centro histórico, uma em cada cinco casas estão em regime de alojamento local e isto cria uma drenagem de disponibilidade de habitação absolutamente brutal para quem quer viver na cidade e faz subir o preço do arrendamento em flecha como temos assistido.
Mas esta proposta do PS não seria uma medida positiva para ordenar esse sector?
Julgo que não. O Bloco de Esquerda tem uma proposta muito concreta sobre isso que é para resolver os problemas de distúrbio, de ruído, de limpeza nos prédios onde existe alojamento local que é criar um gabinete de resposta rápida, um gabinete municipal, de pessoas formadas para efeito que vão às situações de conflito.
Há turismo a mais?
Há uma grande concentração da actividade turística no centro da cidade e esta actividade é muito importante para a cidade, para a economia, criação de emprego e riqueza mas está toda concentrada numa zona da cidade que cria uma pressão enorme nos transportes, na limpeza urbana, na habitação. E por isso é preciso dispersar esta pressão.
Como dispersar o turismo pelas outras áreas da cidade?
Há três semanas confrontei o executivo municipal e disseram-me que licenciou nos últimos dois anos 33 hotéis no centro, 150 mil metros quadrados de construção, isto dá o equivalente a 1.500 casas. Não podemos ter uma pressão tão grande no centro, temos de dispersá-lo, há outras cidades europeias com boa capacidade de atracção turística em que as pessoas ficam em zonas bem servidas por transportes públicos e que depois se deslocam na cidade. Não me choca nada que se possam abrir novos hotéis na zona de Benfica, nos Olivais e em Alvalade. É preciso dissipar esta pressão e tentar arranjar soluções para os lisboetas.
Os turistas que visitam Lisboa deixam um euro por cada noite e isso é uma boa ideia, é uma ideia que pretende compensar a cidade pela pressão do turismo. O problema é que está a ser feito o inverso, esta taxa turística está a ser atribuída a um fundo de desenvolvimento turístico, que é para desenvolver mais turismo e que é gerido pelos hoteleiros e pela associação de restauração.
Essas receitas deveriam reverter para onde?
Este dinheiro tem de ir para a habitação, tem de ir para os transportes, tem de ir para melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem em Lisboa.
Concorda com a anunciada nova linha de metro, linha circular? É uma boa solução?
É um erro porque é uma proposta de linha circular que desce do Rato para o Cais do Sodré, e que não acrescenta mobilidade na cidade. São 215 milhões de euros deitados à rua.
Então o que é que propõe?
Temos tido várias fases de expansão do metro em Lisboa, mas a zona ocidental é sempre esquecida: Campo de Ourique, Campolide, Alcântara, Ajuda, Belém. É uma zona que nunca é servida.
Mas o Bloco nunca defendeu taxativamente uma gestão municipal do metro.
Defendemos a municipalização da carris, tal como foi cumprida, fomos os primeiros a pôr um processo judicial para que as concessões do metro e da carris a privados fossem travadas, mas Fernando Medina não tem nenhuma palavra sobre o metro em Lisboa e tem de ter.
Naturalmente que não pode ser municipalizado como na carris, um investimento na expansão da rede, do material circulante é de uma capacidade que a câmara não tem neste momento, nem pode vir a ter. Portanto tem de ter uma parceria pública, Câmara Municipal-Estado.
O metro de Lisboa decide que tem horários de verão e câmara não diz nada. O metro decide que os comboios vão alternadamente ao fim da linha azul ou amarela e a câmara nada, silêncio. Não pode ser assim, a câmara tem de ter uma voz no metro de Lisboa.
Que soluções para o trânsito em Lisboa?
Isso é o inferno diário para dezenas de milhares de lisboetas. E não tem que ser assim. Temos defendido – outras das promessas das maiorias absolutas do PS em Lisboa em período eleitoral – que são os parques dissuasores na periferia. Todos os dias entram em Lisboa 400 mil carros. É preciso garantir que a cidade não é inundada por estes carros.
Tem estudos quanto às verbas necessárias para fazer esses parques de que fala?
Sim, há vários destes parques que já estão feitos e que não estão a ser utilizados. Alguns exemplos, os estádios da Luz e de Alvalade têm parques que só são usados em dias de jogos e que podiam servir. Basta um protocolo entre a câmara e estas entidades, portanto não há um custo de infra-estrutura. Com certeza que noutros sítios terá que ser feito um investimento.
Que garantias dará, se tiver esse poder, de que os lisboetas não irão pagar o estacionamento?
É verdade, as pessoas estão muito zangas. A EMEL tem infernizado a vida de algumas pessoas e ao mesmo tempo não tem oferecido soluções. A Câmara de Lisboa tem de assumir esse compromisso. O estacionamento para residentes tem de ser uma prioridade. Há muitas zonas de Lisboa em que as pessoas chegam a casa ao final do dia e estão reféns porque andam às voltas por um lugar de estacionamento. Isto não pode acontecer numa cidade moderna, é preciso encontrar soluções, há vários bairros que têm espaço disponível, a câmara tem de intervir com urgência.