A pandemia levou a generalidade dos serviços públicos a desenvolver alternativas ao atendimento presencial e a privilegiar o agendamento prévio, conclui o mais recente relatório da Provedoria de Justiça, liderada por Maria Lúcia Amaral.
“A tendência acentuou-se com a pandemia e veio para ficar: são cada vez mais alargados os períodos de tempo e recursos destinados ao atendimento sujeito a marcação prévia. Esta prática tem um impacto sistémico na relação da Administração com o público porque afeta a vida dos cidadãos. Também alterou a perceção da disponibilidade dos serviços públicos, e o respetivo funcionamento”, lê-se no documento.
O mesmo relatório alerta que “as dificuldades de acesso aos serviços têm nos tempos de espera prolongados a face mais visível e podem ter outras consequências graves: favorecer a existência de redes de facilitação – cujos alvos são, não raramente, os cidadãos mais vulneráveis, incluindo os estrangeiros - e gerar conflitos entre os que aguardam pelo atendimento”.
Em declarações à Renascença, Cecília Sales, do Movimento de Utentes dos Serviços Públicos (MUSP), critica o que designa por “desumanização” dos serviços e funções sociais do Estado, admitindo que a causa esteja na falta de funcionários para organizar atendimentos.
“É a velha questão de não se investir naquilo que se deve. Depois, as consequências surgem para a população e para os utentes destes serviços”, declara.
Falhas no cumprimento de horários
O relatório da Provedoria de Justiça conclui que vários serviços não cumprem a indicação governamental de dedicar, pelo menos, metade do horário de atendimento a cidadãos que não fizeram a marcação.
“Após a pandemia, o Governo emitiu uma orientação para que todos os serviços disponibilizassem pelo menos metade da sua capacidade de atendimento presencial para o atendimento sem marcação. No entanto, no levantamento efetuado, a Provedoria de Justiça verificou que algumas entidades não cumprem esta orientação”, lê-se no relatório.
A título de exemplo, no Instituto de Segurança Social, a relação entre o atendimento com e sem marcação apresenta-se como “complexa”, uma vez que vários serviços fazem exclusivamente atendimento por marcação. Só num cômputo nacional pode considerar-se cumprida a referida orientação.
A Provedoria de Justiça indica existirem profundas assimetrias regionais na celeridade e acesso ao atendimento presencial sem marcação.
“Em alguns locais e serviços, as senhas para atendimento sem marcação para o próprio dia esgotam em escassos minutos após a abertura dos serviços. Tal induz à formação de longas filas antes do horário de abertura para a obtenção de senhas, que deixam de estar disponíveis durante praticamente todo o restante horário de atendimento”, aponta o documento.
No capítulo das recomendações, entre outras, a provedora Maria Lúcia Amaral defende a promoção, através de divulgação adequada e suficiente, do atendimento presencial sem marcação e garantir um maior equilíbrio entre o atendimento presencial com e sem marcação.
Quanto aos tempos de espera, a provedora salienta a necessidade de adotar práticas de gestão da afluência aos serviços públicos que diminuam os tempos de espera, assim contribuindo ainda para prevenir o aparecimento de redes de facilitação.
A Provedoria de Justiça realizou, em 2023, uma análise das práticas de atendimento ao público, que incluiu visitas ao terreno, realizadas sem pré-aviso.