A inflação e o aumento de preços afetam todos os portugueses, mas não de forma igual. Não é surpreendente que sejam os mais pobres os mais prejudicados, mas um estudo dos economistas Susana Peralta e Bruno Carvalho, da Nova School Of Business and Economics, a que a Renascença teve acesso, demostra que os bens essenciais têm um peso muito maior no orçamento familiar dos 20% mais pobres do país, e que seria necessário um valor até 545 euros para compensar estas famílias pela subida dos preços.
Tendo em conta três categorias (produtos alimentares, habitação e transportes), os investigadores chegaram à conclusão de que seria necessário transferir entre 220 euros e 545 euros por ano para cada agregado, de forma a colmatar o aumento dos preços nestas três categorias.
Considerando que existem 839 572 famílias neste grupo das mais pobres, isso obrigaria a uma despesa entre 184 milhões euros e 457 milhões euros anuais ao Estado.
Os cenários de despesa variam entre uma inflação de 2%, 4% e 6%, a que se soma uma quarta dimensão “inflação diferenciada” – em que cada categoria é calculada com a taxa de inflação mais recente à data da realização do estudo.
Segundo o mesmo estudo intitulado “Despesas essenciais e rendimento das famílias: efeitos assimétricos da inflação”, as famílias que incluem os 20% de indivíduos mais pobres têm uma despesa superior ao rendimento, pelo que não têm margem para acomodar a inflação.
Susana Peralta, uma das coordenadoras do relatório, diz à Renascença que o principal objetivo era mostrar até que ponto bens essenciais, como alimentação, a energia, são categorias que têm um peso muito superior no orçamento das pessoas mais pobres em relação ao resto da população.
“Quando estes bens essenciais aumentam o seu preço, isso vai ter uma incidência muito mais forte no orçamento dessas pessoas de menor rendimento, porque é este grupo que está a afetar uma parte mais importante do que gastam nestes bens”, avança.
A mesma professora da Nova SBE diz que se olharmos para alimentos como o pão e os cereais, as famílias que incluem os 20% mais pobres do país, gastam 17% da sua despesa em alimentação apenas nestes dois itens (5% do orçamento familiar global). Nos mais ricos, o peso é de apenas 3,6%.
Já a carne, por exemplo, vale 25% do orçamento dos mais pobres e 19% dos mais ricos.
A energia, em que se engloba eletricidade e gás, vale 12% do orçamento dos que menos têm. “Todos estes consumos em que o preço está a aumentar de forma importante, têm um peso muito superior nas famílias mais pobres”, alerta Susana Peralta.
Em resumo, o peso das despesas essenciais no total da despesa é maior quanto mais pobre é a família. Os produtos alimentares têm um peso de 19,2% na despesa das famílias mais pobres, e de 11% nas mais ricas.
Os investigadores salientam ainda que os cálculos são feitos com base nos padrões de consumo de 2015/2016, os últimos que estão disponíveis pelo INE, o que consideram “uma limitação do estudo”.
A mesma investigadora salienta que os números desses anos mostram que as famílias mais pobres tinham consumos de bens alimentares de 2000 euros por ano, o que revela “que vivem muito próximo de subsistência”. “Custa a crer que este valor suprima as necessidades básicas dessas pessoas”, refere.
Nas conclusões do estudo está ainda inscrito que o montante que se indica necessário transferir para os mais pobres “é conservador”, porque não garante que as famílias satisfaçam as suas necessidades básicas, se estas não estivessem satisfeitas na situação inicial em 2015/16.
A taxa de pobreza em 2015 era de 19%, pelo que estes indivíduos correspondem à população pobre nessa data, o que indicia também que não teriam as suas necessidades básicas satisfeitas.
Este estudo faz parte do relatório anual “Portugal, Balanço Social”, um projeto da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE.