Um juiz americano decidiu, esta semana, que a lei federal que proíbe a mutilação genital feminina (MGF) nos Estados Unidos é inconstitucional.
O juiz Bernard Friedman estava a julgar um caso envolvendo membros de uma pequena seita muçulmana com origem na Índia, que tem uma comunidade em Detroit, no Michigan. A seita considera que a MGF é uma obrigação religiosa e uma médica é suspeita de ter mutilado até uma centena de crianças numa clínica em Livonia, naquele Estado americano, sendo acusada formalmente de nove casos.
Entre os casos há duas mulheres que foram sujeitas à intervenção quando tinham sete anos. Foram levadas para a clínica pelos pais, depois de lhes ter sido dito que iam ter um fim de semana de meninas em Detroit.
O caso abalou os Estados Unidos o ano passado, quando foi tornado público, com várias mulheres a admitir que tinham sido sujeitas a mutilação. As autoridades acusaram os suspeitos ao abrigo de uma lei federal que proíbe a prática e que acarreta penas até cinco anos de prisão. Entretanto, o estado do Michigan aprovou uma lei semelhante, mas mais severa, com penas até 15 anos.
Mas numa decisão que surpreendeu e chocou os procuradores e as vítimas neste caso, o juiz concordou com a acusação ao dizer que a lei federal é inconstitucional. O juiz considerou que a MGF é um ato “desprezível”, mas disse que “por mais louvável que seja a proibição deste tipo de abuso de meninas, questões federais impedem o Congresso de legislar neste sentido. A MGF é uma ‘atividade criminal local’ que, de acordo com uma longa tradição e o nosso sistema federal de Governo, deve ser regulado pelos Estados e não pelo Congresso”.
O facto de Michigan ter aprovado entretanto uma lei de nada vale neste caso, uma vez que os suspeitos não podem ser acusados retroativamente.
A comunidade em questão pertence à seita Dawoodi Bohra, um ramo do Islão ismaelita, com origem na Índia e pequenas comunidades na diáspora.
A MGF é praticada em larga escala em vários países muçulmanos e também na Eritreia, que é de maioria cristã, mas sobretudo por questões culturais e não religiosas, uma vez que as principais confissões muçulmanas nada dizem sobre o assunto. Mas entre os fiéis da Dawoodi Bohra a questão é diferente e a prática é considerada mesmo uma obrigação religiosa.
Os membros da comunidade defendem-se dizendo que o que fazem não é mutilação genital, uma vez que não existe excisão do clitóris, mas apenas um pequeno golpe nos órgãos genitais que, dizem, não deixa sequelas. O único estudo fiável sobre o assunto, levado a cabo na Índia, notou que na maioria das mulheres observadas tinha havido excisão, mas um caso judicial na Austrália acabou por ilibar os suspeitos quando se verificou que os clitóris das vítimas estavam intactos.
No caso do Michigan cabe agora ao Governo federal decidir se recorre, ou não, da decisão do juiz. Em declarações ao site Detroit Free Press, uma ativista contra a MGF disse que “não é possível que o Governo federal não recorra. Penso que isto irá até ao Supremo Tribunal”.
A decisão do juiz foi ainda criticada pelo senador republicano Rick Jones, do Michigan. “Estou zangado com o juiz que arquivou este caso horrível que afetou mais de cem raparigas que foram brutalmente vitimizadas e atacadas, contra a sua vontade”, afirmou, notando o facto de 15 Estados americanos não terem qualquer lei estadual contra a MGF.