A Transparência e Integridade enviou uma carta ao Governo para esclarecer se as alterações ao Código de Conduta permitem aos governantes aceitar convites de entidades privadas para eventos oficiais, incluindo jogos de futebol, apurou a Renascença.
Podem, afinal, os governantes aceitar convites de entidades privadas para eventos oficiais, incluindo jogos de futebol e qual a interpretação do Governo? A pergunta é feita pela Transparência e Integridade perante as alterações realizadas em 2019 ao código de conduta do executivo que permitem aceitar convites, segundo especialistas ao “Jornal de Negócios”.
O código de conduta foi elaborado após a polémica das viagens de governantes para jogos do Euro 2016. O caso que levou mesmo à exoneração dos então secretários de Estado Rocha Andrade, João Vasconcelos e Jorge Costa Oliveira. Três anos depois, o documento sofreu alterações.
A Associação Transparência e Integridade pede esclarecimentos sobre o código de conduta numa carta enviada à ministra da Presidência. A questão ganha maior relevo com eventuais viagens de governantes para assistir a jogos da seleção no Europeu, tal como aconteceu em 2016 e que levou à abertura de um inquérito pelo Ministério Público.
Em declarações à Renascença, Susana Coroado, da Associação Transparência e Integridade, explica as perguntas enviadas à ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva.
“Perante esta incerteza normativa e dado o alarme que pode advir do facto de o Euro estar a decorrer e ocorrer uma situação semelhante a 2016, nós queremos que o Governo esclareça qual é o seu entendimento relativamente à possibilidade de membros do Governo irem a jogos ou a outros eventos oficiais a convite de entidades privadas.”
A Associação Transparência e Integridade defende que deve ser o Governo a assumir os custos com todos eventos oficiais.
“Nós entendemos que, se são eventos oficiais, têm que ser realizados a cargo do Governo e não patrocinados por empresas ou outras entidades privadas, senão qual é o limite? Precisamos de ver esse ponto bem esclarecido.”
Nestas declarações à Renascença, a presidente da Associação Transparência e Integridade recorda o que aconteceu em 2016 com três secretários de Estado. Susana Coroado pede garantias ao Governo de que os seus membros não vão ser "capturados" pelos interesses privados.
“O nosso entendimento é que isto nunca deveria acontecer. O caso das viagens pagas pela Galp nunca devia ter acontecido. O Ministério Público abriu um inquérito sobre a possibilidade de ter sido cometido um crime e os envolvidos nunca foram ilibados. Agora, se essa interpretação que veio a público é diferente da interpretação dada no código anterior, a nós preocupa-nos e é por isso que queremos que seja o Governo a esclarecer e a dar a certeza que uma situação igual a 2016 não se volta a repetir e o Governo não é capturado por interesses privados”, sublinha Susana Coroado.
Para além destas perguntas, na carta endereçada à ministra da Presidência, a Transparência e Integridade pede, ainda, o acesso à lista de eventos e viagens realizadas por membros do atual governo a convite de entidades privadas.
Em causa estão alterações ao artigo 10.º do código de conduta do Governo que, segundo os especialista citados pelo "Jornal de Negócios", tornam o artigo mais superficial e permitem aos governantes aceitarem convites de empresas para viagens e idas a jogos de futebol.
Artigo 10.º Convites ou benefícios similares
1 — Os membros do Governo e os membros dos gabinetes do Governo abstêm -se de aceitar, a qualquer título, convites de pessoas singulares e coletivas privadas, nacionais ou estrangeiras, e de pessoas coletivas públicas estrangeiras, para assistência a eventos sociais, institucionais ou culturais, ou outros benefícios similares, que possam condicionar a imparcialidade e a integridade do exercício das suas funções.
2 — Entende -se que existe um condicionamento da imparcialidade e da integridade do exercício de funções quando haja aceitação de convites ou outros benefícios similares com valor estimado superior a € 150.
3 — Excetuam -se do disposto no número anterior:
a) Convites ou benefícios similares relacionados com a participação em cerimónias oficiais, conferências, congressos, seminários, feiras ou outros even- 3278 Diário da República, 1.ª série — N.º 182 — 21 de setembro de 2016 tos análogos, quando correspondam a usos sociais e políticos consolidados, quando exista um interesse público relevante na respetiva presença ou quando os membros do Governo sejam expressamente convidados nessa qualidade, assegurando assim uma função de representação oficial que não possa ser assumida por terceiros;
b) Convites ou outros benefícios similares da parte de Estados estrangeiros, de organizações internacionais ou de outras entidades públicas, no âmbito de participação em cimeira, cerimónia ou reunião formal ou informal, e os membros do Governo e dos gabinetes do Governo sejam expressa e oficialmente convidados nessa qualidade
Versão de 2019 do código de conduta:
1 - Os membros do Governo abstêm-se de aceitar, a qualquer título, convites de pessoas singulares e coletivas privadas, nacionais ou estrangeiras, e de pessoas coletivas públicas estrangeiras, para assistência a eventos sociais, institucionais ou culturais, ou outros benefícios similares, que possam condicionar a imparcialidade e a integridade do exercício das suas funções, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 4.
2 - Entende-se que existe um condicionamento da imparcialidade e da integridade do exercício de funções quando haja aceitação de convites ou outros benefícios similares com valor estimado superior a (euro) 150.
3 - Os membros do Governo nessa qualidade convidados podem aceitar convites que lhes forem dirigidos para eventos oficiais ou de entidades públicas nacionais ou estrangeiras.
4 - Os membros do Governo, que nessa qualidade sejam convidados, podem ainda aceitar quaisquer outros convites de entidades privadas até ao valor máximo, estimado, de (euro) 150:
a) Que sejam compatíveis com a natureza institucional ou com a relevância de representação própria do cargo; ou
b) Que configurem uma conduta socialmente adequada e conforme aos usos e costumes.