Depois de ter estado durante dez dias de visita à região de Cabo Delgado, Moçambique, o arcebispo de Braga mostra-se preocupado, em entrevista à Renascença, pelo facto de algumas comunidades locais estarem “a organizar internamente uma espécie de equipas de justiça popular”, o que “pode ser muito perigoso”.
D. José Cordeiro espera que “o bom senso, a paz, os sentidos plenos da vida falem mais alto e que em breve possamos ouvir as melhores notícias a partir daquela terra”.
Na origem do desassossego que está a levar a esta “organização popular” está uma espécie de indulto que o Presidente moçambicano concedeu a mais de 60 pessoas suspeitas de terrorismo.
Para o arcebispo de Braga “essa inquietação existe, sobretudo porque estamos a falar de alegados insurgentes que podem voltar a suas atividades terroristas”, mas sublinha o empenho das autoridades na promoção da paz e do perdão, porque “só o perdão é o caminho verdadeiro e autêntico para a paz”.
“É o que senti da parte das autoridades e nomeadamente da parte da diocese de Pemba, de ser também mediadora no diálogo, na relação, na paz, na reconciliação, na tentativa de ser parte da solução e ajudar a ultrapassar os conflitos e os problemas que só ‘in loco’ nos apercebemos bem da sua dimensão”, refere à Renascença.
Recorde-se que a concessão de indultos por parte do Presidente moçambicano tem sido algo de contestação. Por exemplo, a Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana, Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), acusou Filipe Nyusi, de "grave violação do princípio da separação de poderes", ao conceder "perdão" a supostos insurgentes.
Na ocasião, o Presidente da República, Filipe Nyusi pediu à população para “perdoar profundamente” os que abandonam as fileiras dos grupos armados em Cabo Delgado.
De acordo com o Arcebispo de Braga há cerca de um mês que se regista uma trégua e que são muito esporádicos os atos terroristas em Cabo Delgado.
Ainda assim, D. José Cordeiro refere que "em alguns lugares as pessoas ainda sentem um enorme medo", o que “dificulta por exemplo o trabalho dos missionários que se encontram no terreno”.
“Tudo isso leva algum tempo até se criarem laços de confiança e de relação”, lamenta o prelado.
O conflito na região de Cabo Delgado já dura há cinco anos e de acordo com os números mais recentes divulgados por algumas ONG, os ataques terroristas no Norte de Moçambique já provocaram cerca de um milhão de deslocados.
Dois jovens de Ocua devem participar na JMJ Lisboa 2023
A arquidiocese de Braga e a diocese de Pemba, Moçambique, tem em vigor desde 2014 um protocolo de “cooperação missionária” para partilhar “bens materiais e experiências humanas.
No último verão, a presença em Portugal do Bispo de Pemba, D. António Juliasse, serviu para aprofundar a cooperação entre ambas as dioceses. A deslocação do arcebispo de Braga a Pemba, onde a arquidiocese tem a responsabilidade pastoral de uma paroquia, permitiu a D. José Cordeiro “um conhecimento mais profundo da realidade daquele povo martirizado”.
Serviu, por outro lado, também para “alinhavar a consolidação dessa cooperação”. “Estamos a sonhar a presença de uma comunidade religiosa feminina, a criação de uma escolinha até aos cinco anos, e depois pretendemos também desenvolver iniciativas relacionadas com a higiene, a educação, a saúde e a pastoral”, revelou.
Iniciativas a juntar às já existentes, pois, recorda D. José Cordeiro “estão aqui quatro seminaristas da diocese de Pemba, no nosso Seminário Maior arquidiocesano e prosseguimos com a formação de algumas religiosas de uma congregação diocesana de Pemba e também de alguns leigos”.
Entretanto, o arcebispo de Braga anunciou que está a ser trabalhada a possibilidade de dois jovens da paróquia de Ocua participarem na Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023.
“Muito gostaríamos de contar com dois jovens da paroquia de Ocua aqui em Braga e em Lisboa, e vamos trabalhar para esse sonho em articulação com D. António Juliasse, o bispo de Pemba”, revela.
D. Cordeiro refere que “ficou em aberto essa possibilidade” e que se espera que “nos próximos dias seja possível ter o nome e o apelido desses jovens para começarmos toda a parte burocrática para tornar possível esta partilha e este intercambio cultural espiritual e pastoral”.
O conflito na região de Cabo Delgado já dura há cinco anos e de acordo com os números mais recentes divulgados por algumas ONG, os ataques terroristas no Norte de Moçambique já provocaram cerca de um milhão de deslocados.