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“Há uma diferença entre os jovens serem ouvidos e compreendidos”. Esta foi uma das ideias do debate que juntou três políticos e uma ativista, na Conferência “O poder dos jovens na mudança global”, uma iniciativa da Renascença com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que decorre no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
A frase de Margarida Balseiro Lopes, vice-presidente do PSD, mereceu a concordância de João Torres, secretário-geral adjunto do PS.
Antiga líder da JSD, Margarida Balseiro Lopes alerta que o espaço público esquece os jovens que não têm voz, que residem fora dos grandes centros.
João Torres acrescenta que os jovens não são uma massa idêntica, “as suas aspirações variam muito consoante o local de residência, a faixa etária e também consoante as convicções” e isso deve ser tido em conta na preparação de políticas públicas.
A lusodescendente Anna Martins, ex-presidente da associação Cap Magellan e atual chefe de gabinete do ministro francês do Comércio Externo, foi outra das convidadas da Conferência “O poder dos jovens na mudança global”.
Questionada sobre se os poderes ouvem os jovens, Anna Martins responde que: “Quando estava do outro lado achava que não, mas agora que estou deste lado acho que sim (risos)”. A diferença é que agora, no Governo, tem que ter em conta os problemas de todas as comunidades, dos jovens e dos mais velhos.
A jovem lusodescendente dá um exemplo. Recorda que quando foi líder associativa foi bater à porta do ministro da Educação “para abrir aulas de Português”, por achar “que a educação do Português em França é um desastre”. “Achava que estava no meu direito e continuo a achar”, refere.
“Agora estou do outro lado também outras comunidades. Quando se está do lado do político, quando estás a pensar no bem do teu país não podes estar só a pensar na tua comunidade ou só nos jovens”, sublinha.
Anna Martins diz que, agora, tem uma “global picture” (imagem global) da sociedade e tem que aconselhar o ministro a fazer escolhas “que não estão sempre ou do lado dos jovens ou da comunidade”. “São escolhas políticas e não podemos contentar toda a gente”, lamenta.
Jovens ativistas são "alvo a abater" em África
A ativista moçambicana Cidia Chissungo deu a sua perspetiva de jovem africana na Conferência “O poder dos jovens na mudança global”.
Cidia Chissungo começou por referir que "os poderes em Moçambique e em África, os líderes tem tendência a ouvir os jovens que pensam como eles e dizem o que eles querem ouvir".
"Todos os que pensamos diferente e temos uma visão diferente da forma como as coisas deviam acontecer no nosso país, nós não somos ouvidos, mas nem por isso baixamos a guarda", garantiu.
Uma das tarefas da democracia é "impulsionar conversas difíceis", como aconteceu com o problema de Cabo Delgado, argumentou.
Em pleno século XXI, Cidia Chissungo diz que os jovens ativistas são um alvo a abater, por quem só pretende manter o poder.
“O facto de existirem grupos que a única coisa que tem interesse é manter o poder, significa que qualquer voz que coloque em risco esses grupos sempre vai ser vista como um alvo a abater e nós jovens ativistas estamos sempre num estado de alerta, preocupados em não ultrapassar uma certa linha por ti e pelas tuas pessoas", relata a ativista moçambicana.
Cidia Chissungo promete "continuar a lutar" porque quer viver numa "sociedade em que pensar diferente não seja um problema".
Manifestações evidenciam incompetência dos governos
Sobre as políticas da educação, Cidia Chissungo afirma que, principalmente em África, os jovens já notaram que as promessas feitas não são cumpridas e que existe uma deterioração ao acesso a serviços básicos, como a educação - que é de "fraca qualidade", devido ao pouco investimento.
A ativista refere que quanto mais os governos notam que estão a falhar em entregar aquilo que é a sua obrigação, mais acabam por usar todos os meios repressivos possíveis para evitar que as pessoas se manifestem, já que as manifestações evidenciam a incompetência dos governos e a sua incapacidade de dar resposta às necessidades das pessoas.
"Os governos têm afinado a sua máquina para poder reprimir os manifestantes, mas as pessoas têm desenvolvido meios inovadores para se conseguirem mobilizar", afirma, recordando o caso de 'Tanaice', um jovem ativista angolano detido desde janeiro de 2022, por exercer a sua liberdade de expressão e criticar o governo e as autoridades.
Sobre o ativismo no feminino, Cidia denuncia a forma como a vida pessoal das mulheres é utilizada por forma a colocar em causa as suas opiniões e revela como também sofrem através de ameaças à sua integridade física e das suas famílias, o que pode levar à desmobilização.
"Ao mesmo tempo, é uma razão para continuarmos a lutar para que estes espaços não sejam dominados pela questão do género. as pessoas têm de ser livres para se expressarem, independentemente se são homens ou mulheres. diria que as mulheres têm de. fazer duas vezes mais do que os homens em Moçambique, não quero dizer no continente em geral, mas até me atreveria porque o contexto é quase similar", remata.
"É preciso mudar a forma como se faz política"
A ativista Cidia Chissungo aponta também como um dos graves problemas do envolvimento dos jovens na política, o facto de “tudo estar partidarizado”, o que leva as pessoas a serem movidas pelos interesses “político-partidários”, que, por sua vez, dificulta o debate genuíno sem “outros interesses em cima da mesa”.
“Estes espaços não deviam servir para interesses político-partidários, deveriam congregar diferentes grupos, para que estas vozes plurais pudessem ter espaço em algum lugar", defende.
“Estamos numa crise em termos de alternativa e quando chegamos ao momento eleitoral dizemos ‘não vamos votar no fulano, porque não gostamos dele’, mas não sabemos em quem votar. Nós, como jovens, também temos de ser uma alternativa, mas a forma como a política é vista - não só em Moçambique - não é muito boa, o que acaba por afastar os jovens”, refere.
Para Cidia Chissungo é isto que "faz com que os jovens se encontrem em crise", porque "querem dar um novo passo na participação política do país, mas isso tem consequências".
A ativista refere ainda que muitos jovens precisam de aceder a partidos, para poderem integrar espaços com poder de decisão, contudo, isso pode também influenciar negativamente a forma como são vistos.
"A partir do momento em que os jovens se filiam num determinado partido, há determinados debates em que a sua voz deixa de ser levada em consideração", conta, explicando que começam a ser associados "a interesses de partidos".
"É preciso mudar a forma como se faz política, não só em Moçambique", apela. "É preciso que as pessoas confiem que os políticos vão defender os interesses das pessoas, não só os interesses dos respetivos partidos".
Por sua vez, na sua intervenção, João Torres defende que a efervescência cívica em Portugal - pós-revolução - levou à adesão a partidos políticos e que o que vivemos atualmente é uma “erosão” dessa realidade, o que faz com que os partidos sejam obrigados a ter uma atenção especial ao eleitorado jovem.
“A militância político-partidária no contexto jovem também é uma forma e expressão de ativismo. Os ativismos que não se enquadram no contexto político-partidário são formas alternativas, igualmente importantes e legitimas, mas tem de haver espaços em que estas organizações possam interagir e comunicar entre si”, afirma.
Para o secretário-geral adjunto do PS, atualmente, é mais fácil mobilizar os jovens para “causas muito especificas” do que para “um pensamento mais alargado que tipicamente é aquele que preside à intervenção e atuação de organizações político-partidárias, sejam elas de juventude ou não”. João Torres acredita que os partidos devem “ter causas”, mas não serem “de causas”, defendendo uma visão mais global.
“Em França, não há uma facilidade em deixar o lugar aos jovens nos partidos"
Questionada sobre se os instrumentos que os jovens têm ao seu dispor para se fazerem ser ouvidos podem ser melhorados, Anna Martins, chefe de gabinete do ministro do comércio Externo, destaca a existência do Conselho Nacional de Juventude (CNJ) em Portugal e refere que em França, por exemplo não existe.
“Em França, temos um conselho de juventude que não tem, nem de perto, a capacidade de mobilização e de organização dos jovens que tem o CNJ cá. Lá não há um conselho que reúna todas as associações, todas as juventudes partidárias e isso é importante. A França não é assim tão moderna quanto parece”, aponta Anna Martins.
“Em França, não há uma facilidade em deixar o lugar aos jovens nos partidos mais tradicionais, pelo menos, esquerda e direita. Sobre a participação dos jovens, isso faz com que não se sintam à vontade para ‘tocar à porta’ de um partido e quererem implicar-se porque não há lugar para eles”, defende, relembrando um inquérito realizado em França que destacou a abstenção elevada entre os mais jovens devido à falta de identificação com as “elites políticas” e partidos.
Anna refere que esta falta de instituições que permitam aos jovens expressarem as suas opiniões e fazerem com que a sua voz seja ouvida, motiva atos de violência – como se verifica com as manifestações de coletes amarelos.
A jovem lusodescendente destaca ainda a importância da transparência na política, algo que, segundo conta, é bastante aplicado em França, principalmente na transição do ativismo para a política, uma vez que os dados são todos tornados públicos. Em relação ao aumento da participação cívica, Anna refere que, em França, a sensibilização dos mais jovens para o voto, ajudou a que estes "arrastassem" também os mais velhos para votar.
Margarida Balseiro Lopes, vice-presidente do PSD, refere que é necessário decidir como se vai olhar para a participação dos jovens, e relembra que o CNJ tem assento no Conselho económico e social, mas destaca a importância de não estigmatizar jovens.
A vice-presidente do PSD exemplifica que os jovens que se envolvem e participam em Assembleias Municipais, por exemplo, veem frequentemente as suas capacidades postas em causa. Contudo, defende que é importante “ter jovens que sejam jovens”, porque “ter alguém com 25 anos que vai ter o discurso igual a alguém de 50" não traz "valor acrescentado".
Além da antecipação do direito ao voto, Margarida Balseiro Lopes sugere também a necessidade de credibilizar a atividade política, ter capacidade de recrutar pessoas com competência e tratar os jovens com envolvimento partidário com respeito, sem os estigmatizar por terem tido esse envolvimento.
Margarida Balseiro Lopes aponta a "transparência" e a "verdade" como pontos fundamentais para atrair os jovens para a política. "Defendo a regulamentação do registo de interesses, do lobbying", afirma.
Usando o tema da habitação como exemplo, reitera ainda a necessidade de "encarar a política, não como um exercício de proclamação, mas de realização". A vice-presidente do PSD refere que as falhas do poder público com aquilo a que se comprometem degrada a confiança nas instituições e a atividade política, perante a incapacidade de concretização e de resposta às necessidades dos jovens.