João Melo era um “vagabundo”, um homem triste e sozinho que vagueava pela cidade e se refugiava na droga. Durante 12 anos, dormiu e comeu na rua. Não trabalhava, nem encontrava sentido nos seus dias. Aos 28 anos, depois de regressar a um centro de acolhimento para pessoas em situação de sem-abrigo (tinha sido expulso antes), aceitou finalmente o convite de uma assistente social para se juntar a uma comunidade de recuperação terapêutica.
“Pensei que não iria adaptar-me e que depois voltaria para a rua”, recorda. Chegou ao Vale de Acór a 25 de junho de 2003, uma data que, desde então, recorda todos os anos.
“Lembro-me da maneira como me receberam, de ter de repente um quarto e um armário para mim. Encontrei também algumas pessoas que tinha conhecido na rua e que estavam bem-encaradas, contentes.”
Durante 18 meses, passou por um processo terapêutico para se livrar do vício. “A parte física não foi a mais difícil”, assume. “Quando lá entrei, estava a tomar metadona e fiz o desmame. O mais duro foi estar fechado. Não estava habituado a ter regras, a acordar cedo, a ajudar nas tarefas da comunidade.”
Chegou a pensar ir-se embora, mas um dos utentes com quem se cruzara na rua “segurou-o”. Para poder sair de vez em quando, começou a ir à missa aos domingos. Foi assim que, quase sem se aperceber, descobriu Deus. “Conversava com o padre, ia às catequeses. No Vale de Acór encontrei muitas graças: uma paz de que precisava, uma alegria que não tinha e, aos poucos, fui percebendo que podia ser por ali o caminho.”
A perda da avó, já na fase de reinserção, a etapa que se segue ao tratamento, foi um dos momentos decisivos do seu percurso. “Percebi que ela iria para um sítio melhor, que estava com Deus”, sublinha, explicando que, até então, olhava para Deus como Aquele que não poderia deixar uma pessoa querida morrer, ainda mais a avó que o tinha educado. No Vale de Acór fez também o crisma e a primeira comunhão.
Atualmente, aos 48 anos, é terapeuta na instituição que o acolheu, onde acompanha homens e mulheres com histórias semelhantes à sua. Nos primeiros anos, trabalhou na casa de entrada. “Recebia as pessoas vindas da rua, das prisões, dos hospitais. Chegam muito debilitados, machucados.” Depois, passou para a fase de reinserção. “Tento ajudá-los a encontrar um sentido para a vida. Falo-lhes da importância de ter princípios, dignidade e partilho a minha história. Tento mostrar-lhes como é importante ter alguém que olhe por nós e que é fiel como Deus”, afirma. E sublinha: “Sinto uma enorme alegria ao ver como eles conseguem mudar”.
"Não me posso esquecer do que Deus já me deu e continua a dar"
A sua vida – diz – “está cheia de milagres”. Um deles – talvez o maior – aconteceu em 2010, durante a visita do Papa Bento XVI a Portugal. Nessa altura, João Melo estava já casado – tinha conhecido a esposa no Vale de Acór. “Na mesma época, em que soubemos que íamos ter um filho, a minha mulher soube que tinha cancro no útero. Os médicos disseram-nos que tínhamos de abortar para que se iniciasse o tratamento, mas não quisemos”.
Com confiança, João Melo e a mulher seguiram com a gestação. Já perto do fim, em maio, por ocasião da visita do Papa Bento XVI ao santuário, o terapeuta decidiu ir a pé a Fátima com um grupo do Vale de Acór.
“No dia 12 de maio à noite, pouco depois de ter chegado, fui avisado que a bebé ia nascer. Um colega levou-me ao Hospital de Santa Maria, [em Lisboa], e passei a noite de terço na mão a andar de um lado para o outro.”
A oração deu fruto: a bebé nasceu bem e a mãe conseguiu fazer os tratamentos a tempo – está hoje de boa saúde. Desde então, João Melo faz questão de ir a Fátima a cada 13 de maio. “Ponho férias, a minha filha falta à escola. Ela sabe que é um dia para nos ajoelharmos diante de Nossa Senhora e agradecermos a vida dela e a da mãe”, conta, emocionado.
“Não me posso esquecer do que Deus já me deu e continua a dar todos os dias. Preciso de ir à missa, de comungar, de me confessar e de crescer ainda na fé. Não pode ser de outra maneira”, assegura. E sublinha: “Sou muito feliz. Não posso pedir mais”.