“Abrilista de coração”, como se intitula, o antigo dirigente comunista Carlos Brito lamenta que quase 50 anos depois do 25 de abril de 1974 continuem a existir em Portugal “zonas grandes de pobreza” e persistam a “desigualdade e os salários muito baixos”.
Em entrevista ao podcast da Renascença Avenida da Liberdade, Carlos Brito olha também para a atual situação do país e do partido que já foi seu. Desfiliado do Partido Comunista Português desde 2003, Carlos Brito não deixa de avaliar as dores do partido que já dirigiu. “Foi cometido um erro capital com o chumbo do Orçamento. Foi quase um suicídio. Chumbar naquelas circunstâncias o Orçamento, estava com alta probabilidade de haver o que iria acontecer, e foi o que aconteceu. O afastamento desta centena de milhar de pessoas da esquerda para votar no PS, começou na altura em que os deputados do PCP, do Bloco de Esquerda e d’Os Verdes se levantaram para votar conjuntamente com a direita contra o Orçamento do Estado”, aponta.
No terceiro episódio do Avenida da Liberdade, Carlos Brito deixa também uma reflexão para a celebração dos 50 anos do 25 de abril de 1974: considera que Portugal se deve interrogar sobre a abstenção e falta de participação cívica.
“O primeiro dever de um comunista preso era conquistar a liberdade”
Carlos Brito tem hoje 89 anos, vive em Alcoutim e recorda com clareza os dias antes e depois do 25 de Abril. Sorri quando nos conta que sabia que a Revolução estava à porta. “Tinha tido na véspera a informação segura que o Movimento Revolucionário ia sair. Estava tão contente com a minha informação que, quando fui transportado num carro por um jovem da faculdade de Medicina, não resisti a dizer-lhe ‘Amanhã, vens-me buscar aqui quer o fascismo caia quer não caia!’”.
Foram dias intensos e há ainda hoje histórias que o fazem rir quando as recorda. “Um dos membros da direção que era meu controleiro, o Joaquim Gomes dos Santos saiu nessa altura para fazer uma reunião com o secretariado em Paris, com o Álvaro Cunhal e outros camaradas do secretariado. Quando se despediu de mim, disse, 'Bom, faça a Revolução!'. Regressou e encontra-se comigo no dia 27 de abril. Cheguei ao pé dele e disse 'Missão Cumprida. A Revolução está feita!'”.
Sentado numa mesa de frente para o rio Guadiana, na sua casa de Alcoutim, lembrou os dias da clandestinidade, os 8 anos que esteve preso e a fuga da cadeia do Aljube que lhe ficou gravada na memória e nas pernas. As grades da cadeia foram serradas com uma serra que entrou escondida nas solas de uns sapatos de um preso e durante a hora das visitas “porque fazia muito barulho”.
“Na altura, nós funcionários do partido tínhamos a orientação de que o primeiro dever de um comunista preso era conquistar a liberdade. E, com essa orientação, a gente onde chegava começava a olhar e a ver se isto tinha ou não possibilidade de fuga. Ali chegamos à conclusão: ‘Tem!’”. A fuga deu-se numa madrugada cheia de peripécias que recorda ao podcast Avenida da Liberdade.
Também no fio das memórias estão os trabalhos como deputado da Assembleia Constituinte, em 1975. “Os líderes Álvaro Cunhal, Mário Soares, Sá Carneiro andavam distraídos e a gente foi avançando. Quando chegámos ao fim do texto constitucional, foi uma surpresa. O Cunhal não estava nada à espera daquilo, porque a tese dele era, com esta composição da Assembleia em que o Partido Socialista tinha a maioria relativa, o PPD tinha uma importante votação e nós tínhamos 30 deputados. O Cunhal não acreditava que dali saísse obra de jeito e quando, pouco antes do final começou a ter a noção do texto constitucional, tornou-se num dos principais defensores da constituição”, refere Carlos Brito num episódio já disponível nas plataformas digitais.