Várias personalidades de renome mundial reuniram-se este fim-de-semana nos Estados Unidos para dar o pontapé de saída aquilo que poderá vir a ser uma Internacional Progressista.
A reunião decorreu no Vermont, o estado norte-americano donde provém o senador Bernie Sanders, o independente que desafiou Hillary Clinton nas primárias democráticas de 2016 e cuja candidatura o tornou uma referência da esquerda americana e não só.
É graças a esse capital político que o senador dá agora o impulso a uma articulação mundial de forças de esquerda empenhadas em combater a vaga nacionalista que se faz sentir um pouco por todo o mundo.
Sob os seus auspícios, compareceram no Vermont personalidades como Fernando Haddad, candidato do PT recém-derrotado nas eleições brasileiras, Bill de Blasio, mayor de Nova Iorque, Ada Colau, alcaide de Barcelona, Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças grego, Jeffrey Sachs, destacado economista cujos trabalhos têm incidido sobretudo na análise da pobreza no mundo, Naomi Klein, escritora, as atrizes Susan Sarandon e Cynthia Nixon e os atores John Cusack e Danny Glover, conhecidos ativistas da esquerda americana.
Empenhado nesta causa, no encontro esteve ainda presente o português Rui Tavares, fundador do Livre, a cujos esforços se ficou a dever também a comparência de Fernando Haddad.
De proveniências geográficas e percursos políticos diversos, os presentes no encontro comungam de uma visão de esquerda genericamente não-alinhada nem com a social-democracia nem com a esquerda comunista ou esquerdista. Uma demarcação que tem perspetivas e entendimentos diferentes consoante seja vista da Europa ou da América.
Bernie Sanders deu inúmeras vezes, na sua campanha eleitoral, a Dinamarca (e outros países europeus) como exemplo do que deve ser feito nos EUA em muitos domínios, nomeadamente na saúde. E concorreu às primárias no seio do Partido Democrático.
De um modo geral, os autodenominados “progressistas” nos EUA atuam politicamente no âmbito do Partido Democrático, onde tentam ganhar posições para as suas causas, geralmente mais à esquerda do que a doutrina oficial do partido. Foi o que fez Bill de Blasio, que foi eleito mayor de Nova Iorque com um programa político bem à esquerda do “mainstream” democrata. Ou a atriz Cynthia Nixon (“O Sexo e a Cidade”) que este ano desafiou o governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, nas primárias democráticas, mas sem sucesso. E muitos candidatos progressistas nas eleições intercalares de 6 de novembro passado foram eleitos para a Câmara de Representantes pelo Partido Democrático.
Na Europa este tipo de divergências com os partidos tradicionais da esquerda tende a ser “resolvido” através da criação de outros partidos. A dimensão de um país como os EUA — por comparação à reduzida dimensão dos países europeus — não é alheia, naturalmente, a este fenómeno.
Mas quaisquer que sejam os diferentes comportamentos a este respeito, duas questões maiores parecem unir todos aqueles que estiveram no Vermont: a necessidade de combater as crescentes desigualdades no mundo e a vaga nacionalista/populista emergente.
O primeiro apelo para cumprir este objetivo foi dado por Bernie Sanders num artigo publicado no jornal britânico “Guardian” em setembro último, sob o título “Um novo eixo autoritário exige uma frente internacional progressista”.
Discorrendo sobre o futuro da esquerda internacional, o senador constatava o avanço de forças autoritárias que desprezam a liberdade de imprensa e os mecanismos democráticos de controlo do poder, perseguem as minorias étnicas e religiosas, e se aproveitam da governação para satisfazer os seus interesses particulares. Sanders acusava estes líderes de estarem profundamente ligados a uma rede de oligarcas bilionários que olham para os governos como um joguete nas suas mãos.
Depois de dar exemplos, que vão de Donald Trump à Rússia e à China passando pela Hungria e Arábia Saudita, Sanders citava vários financiadores americanos que sustentam as causas populistas com generosas ofertas de dinheiro. Gente que está entre “os 1% detentores de metade da riqueza criada no mundo, enquanto 70% da população detém apenas 2,7% dessa riqueza”.
A fuga aos impostos, os offshores, o domínio das grandes multinacionais sobre a circulação da informação, a preocupação com o aquecimento global são outros dos tópicos apontados no artigo. Que termina com um apelo à criação de “um movimento internacional progressista” que se bata pela “partilha da prosperidade, segurança e dignidade para todos”. E para isso é preciso passar por cima das fronteiras.
Essa articulação de esforços começou a ser feita este fim de semana nos EUA. Depois do encontro de Vermont, houve dois eventos em Nova Iorque — um debate público com estudantes e uma reunião fechada para começar a discutir questões organizativas.
A plataforma política do movimento está esboçada no artigo de Bernie Sanders. Para Rui Tavares, as preocupações essenciais terão necessariamente de centrar-se em temas como as migrações, a evasão fiscal, as desigualdades e o aquecimento global. Propostas como a de criar um passaporte internacional humanitário, por exemplo, poderão partir do movimento, bem como pressionar para o cumprimento das metas definidas pelas Nações Unidas para o desenvolvimento, como os objetivos do Milénio.
Ideias para estimular o debate mundial parecem não faltar. O que poderá faltar será o financiamento de um movimento que pretende combater a concentração da riqueza. Essa será certamente uma das maiores dificuldades, que colocará esta potencial Internacional Progressista em contraste absoluto com a internacional populista que lentamente se vai espalhando pelo mundo e a quem não faltam financiadores generosos.
A essa tarefa se tem dedicado ultimamente na Europa Steve Bannon, o ex-conselheiro de Trump ligado à extrema-direita. E, ao que parece, com razoável sucesso.