As duas advogadas que impediram que fossem encaminhadas para adoção sete crianças, filhas de Liliana Melo, por causa da situação de pobreza em que viviam na zona de Sintra, são as vencedoras da edição deste ano do prémio Nelson Mandela, da Associação Direito e Cidadania ProPública.
Em comunicado, a associação justifica a atribuição do prémio por se tratar de “duas corajosas e discretas profissionais que, generosamente e ao longo de anos, defenderam nos tribunais nacionais e internacionais, os direitos e a dignidade das crianças”.
Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves foram as advogadas no conhecido caso Liliana Melo, a mãe a quem ilegalmente foram retirados sete filhos para adoção e que entre 2007 e 2016 lutou para que lhe fossem reconhecidos os seus direitos parentais.
Ao longo de quatro anos, as advogadas levaram o caso três vezes ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo ainda recorrido ao Tribunal Constitucional e obtido a condenação do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
O Estado português foi condenado em 2016 por violar o direito fundamental à proteção da família e por não garantir um processo judicial justo e equitativo.
Além de fixar uma indemnização de 15 mil euros à mãe, o Tribunal de Estrasburgo recomendou às autoridades portuguesas que reexaminassem o caso.
"Nunca mais ninguém quis saber" da situação de Liliana Melo
Houve efetivamente um novo julgamento, a indemnização foi paga e os filhos entregues à mãe. Mas o Estado português nunca mais quis saber daquela família, diz a advogada Paula Penha Gonçalves, em declarações à Renascença.
”Foi feito o julgamento, as crianças entregues à mãe. Mas nunca mais ninguém quis saber de coisa nenhuma. Na sentença em que foi decretada a entrega das crianças à mãe, ficou previsto um apoio do Estado, mas que eu saiba nunca apareceu ninguém lá em casa.”
A advogada diz que Liliana Melo contou muito com o apoio na cadeia de distribuição onde trabalha e que lhe facilitou muito os horários, numa altura em que as sete crianças eram ainda muito pequenas.
”Liliana continua a trabalhar, alguns dos filhos também trabalham e os que ainda estudam são todos bons alunos.”
Paula Penha Gonçalves explica que foi a indignação, pelo facto de a pobreza poder justificar a retirada de filhos para a adoção, que a levou a ela e à sua colega Maria Clotilde Almeida a oferecerem-se para defender ‘pro bono’ Liliana Melo.
“Sem que houvesse qualquer sinal de maus tratos quer físicos quer morais que justificassem a retirada daquelas crianças à mãe, sem que houvesse qualquer sinal de abusos, que a pobreza em si justificasse a retirada de filhos para adoção. Este era o ponto fulcral da nossa indignação com este caso. Porque na verdade, neste processo da Liliana, vislumbravam-se sim muitas carências económicas, muitas dificuldades, muitas, mas não se vislumbrava nenhuma falta de carinho e de amor da mãe e mesmo do próprio pai para com os filhos e destes para com o pais, dos irmãos entre si, pelo contrário, até estava bem evidente que os laços afetivos da família eram muito fortes.”
O prémio da associação ProPública-Direito e Cidadania, no montante de 10 mil euros, é entregue às duas advogadas no dia 18 de julho, Dia Internacional Nelson Mandela e que celebra a data do seu nascimento.