O Tribunal da Relação de Évora anulou esta terça-feira o acórdão do processo de Tancos e mandou repetir a produção de prova apresentada em primeira instância.
Em causa está o uso de metadados no caso relativo ao furto de armas dos paióis do Exército em Tancos, indica aquele tribunal em comunicado.
"Após audiência realizada no passado dia 17 de janeiro, foi proferido acórdão, em 28 de fevereiro, onde se decidiu [...] declarar a nulidade decorrente da utilização de prova proveniente de meio de obtenção de prova proibido e, em consequência, ordenar ao tribunal de primeira instância a reformulação da factualidade considerada como provada."
Para além de considerar que as provas obtidas por meio de metadados são nulas, os juízes desembargadores da Relação de Évora consideram que o juiz da primeira instância omitiu pareceres necessários.
No mesmo comunicado, os juízes da Relação julgam "improcedente a nulidade decorrente de ausência de promoção e controle do processo pelo Ministério Público; a ilegalidade da atribuição de competência à Polícia Judiciária para investigação de factos relacionados com o furto de material de guerra; a nulidade das escutas telefónicas; a ilegalidade do processo, por utilização de métodos proibidos de prova; a nulidade por omissão de pronúncia; a nulidade por falta de fundamentação; e a invalidade da sentença por ausência de elementos constitutivos do crime de furto/terrorismo".
Na prática, o Tribunal da Relação de Évora considera que a decisão do Tribunal Judicial de Santarém, que condenou 11 dos arguidos no caso Tancos, é nula.
"Não sendo permitida a utilização de prova obtida por metadados, não resta senão concluir que a factualidade considerada como provada (...) se encontra irremediavelmente afetada e que deve ser reequacionada – expurgando-se, na formação da convicção do Tribunal, o que possa ser resultante de prova obtida por metadados", indicam os juízes desembargadores.
Primeira instância terá de reformular acórdão
O advogado de um dos arguidos do processo disse que a decisão de anular o acórdão vai obrigar o tribunal de primeira instância a reformular a decisão, retirando a parte relativa aos metadados.
Em declarações à agência Lusa, Melo Alves explicou que a anulação do acórdão não significa a realização de novo julgamento, mas que o TRE ordena ao tribunal de primeira instância que faça a reformulação do acórdão retirando a parte relativa aos metadados (informações e geolocalizações registadas a partir de telecomunicações).
Segundo o causídico, o tribunal de julgamento (primeira instância) "tem agora de decidir se mantém esses factos dados como provados", num acórdão que foi alvo de recurso para a Relação.
Questionado pela Lusa sobre se esta decisão de hoje vem abrir portas a anulações de prova em outros julgamentos, Melo Alves respondeu que sim.
"A jurisprudência e algumas opiniões de juristas, mesmo que alguns mais próximos do Ministério Público façam outra interpretação, esta [a do TRE] parece-me a mais correta", argumentou.
Depois de mais de quatro anos, o julgamento do caso Tancos, um dos mais mediáticos dos últimos anos e que envolvia 23 arguidos, chegou ao fim em janeiro do ano passado, com a absolvição do ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, e a condenação por terrorismo de João Paulino, autor confesso do furto de armas dos paióis de Tancos.
A par do ex-fuzileiro, outros dois arguidos foram condenados a penas de prisão efetiva: João Pais a uma pena de cinco anos e Hugo Santos a sete anos e seis meses. De acordo com a decisão em primeira instância, os três foram os responsáveis por retirar o material militar dos paióis de Tancos na noite de 28 de junho de 2017.
A decisão hoje tomada pela Relação de Évora faz com que o acórdão do Tribunal de Santarém seja anulado até que sejam dadas respostas às nulidades apontadas. Na prática, as decisões referentes ao processo poderão ser reformuladas ou, por outro, o julgamento poderá ser reaberto.
[atualizado às 15h35]