Finalmente vinculada aos 64 anos. Ivone Filipe é professora de Francês e Inglês do Ensino Básico e Secundário há 38 anos, mas só agora é que conseguiu entrar para os quadros do Ministério da Educação.
A docente é licenciada pela Universidade de Coimbra, mas ainda antes de terminar o curso já lecionava. "Comecei a dar aulas sem acabar o curso, porque tinha a British Council de inglês e tinha a Alliance Française de francês e dava-me para dar aulas do 7.º ao 12.º anos", explica.
Durante 16 anos, Ivone prosseguia a carreira em escolas perto de casa, em Tondela, especialmente para ficar perto da família: "Não queria sair de casa, não queria ir para longe, porque tinha as filhas ainda pequenas".
Como não detinha o grau de profissionalização exigido para a vinculação pelo Ministério da Educação, a professora acabou por realizar o estágio profissional mais tarde. "Fiz o estágio em 2000 e depois o tempo anterior que eu tinha, que era quando tinha sempre horários completos, contaram-me só por metade", revela.
Na viragem do século, as chances de ficar colocada em Tondela diminuíam, pelo que acabaria por ingressar num estabelecimento semiprivado. "Fui para a escola profissional de Tondela e estive lá para aí uns dez anos. O último ano, eu nunca tive horário completo, só tinha três horas, que ao final do ano, contou-me 33 dias."
Face às condições degradantes ao longo do tempo, Ivone salienta ter sido uma opção própria, "porque estava preocupada mais com a família", com as duas filhas. "Depois, quando a minha filha mais nova entrou para a universidade, foi quando alarguei o círculo para concorrer", conta a professora.
Uma carreira "atribulada"
Nos dez anos que se seguiam, a professora enumera uma longa lista de locais pelos quais passou: "Estive em Braga, Póvoa de Lanhoso, depois estive em Tábua, que é lá relativamente perto, em Guimarães, estive em Sande, em Marco de Canaveses, já estive em Boticas, lá em cima perto de Chaves... é o turismo do fim de velha".
Pelo meio, a professora recorda uma experiência curta e desagradável na capital. Em Lisboa, lecionou numa escola "terrível", de que nem se atreve a dizer o nome.
"Ia para uma substituição de um mês, que depois era até ao final do ano, mas carros da polícia lá dentro da escola, tudo gradeado, alunos terríveis, professores ameaçados e funcionários que iam para o hospital. Eu disse assim: 'Não, isto não é para mim, a minha saúde mental é muito importante'."
A professora contactou o sindicato, o qual lhe informou que tinha 15 dias para decidir se queria desistir: "Ao 13.º [dia] vim-me embora. Paguei quase 400 euros por um quarto... foi ao ar", confessa.
Já há três anos, a professora foi colocada na Escola Básica de Souselo, em Cinfães. Embora ficasse mais perto de casa, ainda era uma viagem de mais de 100 quilómetros até Tondela.
"É muito complicado, porque eu vou ao domingo à tarde, porque tenho de fazer a Autoestrada 24 e atravessar toda a Serra de Montemuro, que no inverno, com nevoeiro, gelo e neve, é horrível. Atravessar Cinfães, fazer um bocado da Estrada Nacional 222 e depois vou ter a Souselo", descreve a professora.
Como a deslocação acaba por atingir as duas horas de duração, a professora acabou por ter de arrendar casa novamente. No entanto, "felizmente", tem a sexta-feira livre: "Fizeram-me esse favor e venho [para casa] à quinta-feira à tarde".
Este ano, Ivone conseguiu, finalmente, entrar nos quadros do Ministério da Educação. Contudo, a experiência em Souselo ainda exigiu sacrifícios da professora.
"O ano passado tinha um horário sobrecarregado. Tinha o 3.º ciclo todo, que eram 10 turmas de 7.º, 8.º e 9.º [anos], e mais uma direção de turma do 9.º ano. Muita burocracia, muito trabalho... Mas pronto, consegui, sofri muito, chorei muito."
"Uma professora que entra agora ganha tanto como eu"
Ainda assim, a docente diz que aprendeu "muito" e que está "feliz por lá ter ficado este ano". "Agora, como entrei em quadro, já só tenho 14 horas letivas. Vão-me completar o horário, claro, com tutorias e essas coisas todas. Mas pronto, já não tenho direção de turma, o que era muito complicado, muito difícil", salienta.
A dois anos da reforma, a professora diz que ainda está motivada para dar aulas: "Eu gosto muito daquilo que faço, sempre gostei. Não sou daquelas pessoas de meter atestado, que já ouvi muita gente a dizer: 'ai, agora obrigaram-me a ir para uma escola que é tão longe, vou meter atestado'. Não sou disso".
"Quando eu tiver os meus 66 anos, que é quando é a reforma, eu venho-me embora", frisa Ivone. No entanto, lamenta que esta decisão seja também motivada pela desvalorização da sua carreira: "Antes não, que depois dão-me meia dúzia de tostões e também acho que é fazer pouco de mim."
"Nós já ganhamos tão pouco e eu [trabalho] há 30 e tal anos e levo para casa mil e poucos euros, 1.100 ou coisa que o valha. Uma [professora] que entra agora ganha tanto como eu."
Maria entrou para os quadros aos 66 anos
Na Escola Básica e Secundária de José Relvas, em Alpiarça, há uma professora que entrou para os quadros ainda mais tarde. Maria de Lurdes do Vale tem 66 anos e só agora conseguiu a vinculação ao Ministério da Educação.
Contudo, a professora de Geografia lecionou fora de Portugal por mais de 30 anos, na Escola Portuguesa de Moçambique. Regressou há três anos: "Eu não estava a pensar voltar para Portugal, mas o meu marido ficou doente e tive que vir para o pé dele, porque era aqui que ele estava a fazer os tratamentos".
No entanto, apesar de trabalhar para uma escola do Ministério da Educação português, nunca conseguiu a vinculação. "Durante aqueles anos todos, tive sempre contratos por dois anos, outras vezes por um ano. A norma travão não estava em funcionamento para as escolas portuguesas no estrangeiro", explica.
Os contratos com prazo deixavam-na também com alguma insegurança: "É claro que não dá segurança a ninguém".
Sendo assim, há três anos, viu-se obrigada a concorrer. "Concorri e fui colocada na Chamusca, porque eu queria ficar na área de residência do meu marido". Nos três anos seguintes, Maria de Lurdes trabalhou nesta vila ribatejana, a 26 quilómetros de casa. Agora, conseguiu vincular em Alpiarça, onde vive.
Ao fim de 66 anos e quase 40 anos de carreira, a professora diz que a vontade de dar aulas supera o sentimento de "injustiça": "A minha motivação são sempre os alunos. Estão sempre em primeiro lugar, independentemente de estar ou não vinculada".
Contudo, não consegue ignorar a desvalorização de que foi alvo, sentindo-se "bastante lesada" ao longo do seu processo profissional. "Se tivesse vinculado em tempo adequado, hoje teria outras perspetivas em termos de aposentação, em termos de escalão."
Neste momento, ainda não foi atribuído um escalão a Maria de Lurdes, apesar de ter "muitos e muitos dias de trabalho, antes e depois da profissionalização". "Como tantas outras pessoas, sinto uma grande discriminação, não é?"
Face a esta e outro tipo de situações, a docente lamenta que ser professor seja uma carreira "pouco atrativa": "Ainda agora, na nossa escola, recebemos um professor de Geografia com 26 anos, que seria o terceiro ano que iria lecionar. De repente, ao fim de dois dias ou três já não está. Despediu-se, foi-se embora, arranjou trabalho noutro lado, porque ganha mais e não tem que se deslocar".
"A desvalorização da nossa classe tem feito com que isto aconteça."
Ainda assim, Maria de Lurdes revela que "gostaria de trabalhar enquanto puder". "Enquanto tiver energia para tal, estar ativa é sempre uma boa opção".
De modo a completar 40 anos de carreira, a professora irá dar aulas até aos 68 anos. "Estou tranquila, estou a fazer o meu trabalho. O melhor que sei, o melhor que posso, ainda com bastante energia e quero fazê-lo melhor ou o melhor que eu consiga", remata.