Um ano depois da retirada das forças norte-americanas, “é difícil de imaginar” qualquer regresso à normalidade no Afeganistão sob domínio dos talibãs, que “não sabem governar”, disse à Lusa a organização Freedom House.
Anne Richard, que lidera o mecanismo de coordenação de Direitos Humanos afegão da Freedom House, sediada em Washington, afirmou que os talibãs são combatentes experientes que já mostraram o seu desrespeito pelos direitos humanos básicos, e “não sabem governar nem estão abertos à construção de organizações da sociedade civil”.
“O Afeganistão tem uma grande necessidade de pessoas que possam governar com consciência e para o benefício de todos os cidadãos, respeitando os direitos humanos e evitando a corrupção”, disse Richard em entrevista à Lusa, salientando que se torna difícil de conceber uma “vida normal” no país.
As tropas norte-americanas concluíram a retirada do Afeganistão a 30 de agosto de 2021, deixando o país definitivamente nas mãos dos talibãs.
De acordo com Anne Richard, quando as forças norte-americanas e da coligação fizeram planos para se retirar e os talibãs entraram em Cabul, assumindo o controlo do Governo, muitos afegãos “imediatamente tentaram fugir do país ou esconder-se”, por vezes de forma desesperada, o que ficou registado nas imagens do aeroporto de Cabul repleto.
Como frisa a responsável da organização de defesa da democracia:
“Muitos rezaram para que os talibãs fossem menos brutais agora que estavam a recuperar o poder pela segunda vez. Infelizmente, os talibãs não mudaram e, no ano passado, reinstituíram políticas terríveis.”
A situação tornou-se ainda mais difícil para defensores de direitos humanos, que relataram ter vivido meses de ameaças ou ataques.
Além da perda dos direitos humanos fundamentais, os afegãos viveram um ano de contas bancárias congeladas, fim de serviços governamentais, empregos perdidos e altas taxas de desnutrição, frisou a Freedom House.
No seu relatório anual ‘Liberdade no Mundo’, a Freedom House classifica o Afeganistão como um país “Não Livre” e, entre 2020 e 2021, foram registadas “perdas terríveis” de liberdade no Afeganistão, que sofreu uma queda de 17 pontos, apenas superada pela de Myanmar.
Os afegãos viram as suas liberdades mais básicas restringidas sob o regime talibã. Através de uma série de editais, mulheres e meninas estão a perder os seus direitos fundamentais educacionais, pessoais e sociais e são desencorajadas a trabalhar fora de casa.
"Pessoalmentem é difícil para mim não lamentar por todas as meninas que deixaram de poder frequentar a escola depois dos 11 anos. Isso prejudica-as imediatamente – elas perderam instantaneamente o contacto com amigos e professores, perderam o estímulo intelectual e as alegrias de aprender, e receberam uma mensagem de que não precisam da educação que os meninos recebem e existem apenas para casar e ter filhos. É também um grande revés que, se não for corrigido, pode ter repercussões durante anos nos seus futuros."
A situação no país é precária e “quem não segue as duras regras dos talibãs pode ver-se em sérios apuros”, salienta Anne Richard.
Além de mulheres e meninas, “as minorias religiosas enfrentam violência e perseguição, membros da comunidade LGBT+ [sigla para lésbica, gay, bissexual e transgénero] correm grandes riscos e aqueles com vínculos com o antigo Governo também são frequentemente alvos dos talibãs”, disse a líder de coordenação afegã da Freedom House.
“Um outro grupo com o qual a Freedom House está profundamente preocupada são os ativistas de direitos humanos, que durante anos procuraram construir uma sociedade mais livre e democrática, e agora estão, em muitos casos, escondidos. Muitos sofreram ataques físicos e ameaças”, lamentou Anne Richard.
Países muçulmanos devem pressionar por moderação
Face à situação atual, a Freedom House está a apelar a líderes e clérigos de países muçulmanos para que "influenciem" os talibãs a abandonar – ou pelo menos a moderar – a "sua dura e errónea interpretação da lei islâmica" no Afeganistão.
"A lista do que pode ser feito não é longa e inclui que líderes mundiais, diplomatas e enviados especiais se reúnam com os talibãs e exijam mudanças políticas, ou que funcionários das Nações Undas (ONU) e organizações não-governamentais (ONG) internacionais e seus funcionários locais no país procurem manter a fluidez de ajuda humanitária", disse.
Já os Governos "podem oferecer refúgio aos afegãos que fogem do seu país de origem e os voluntários podem ajudar a acolher os refugiados afegãos que tentam recomeçar as suas vidas", advogou a líder de coordenação afegã da Freedom House, uma organização de defesa da democracia que está sediada em Washington.