A procuradora-geral adjunta alvo de um processo disciplinar "não retira uma vírgula" ao artigo que escreveu com críticas ao Ministério Público (MP). Em declarações à Renascença, Maria José Fernandes acredita que o tempo lhe dará razão.
O Conselho Superior do Ministério Público instaurou um processo disciplinar a Maria José Fernandes, pelas críticas que dirigiu ao Ministério Público, num artigo de opinião que assinou no jornal “Público”.
Sem se referir explicitamente à “Operação Influencer”, esta procuradora alertava no artigo, nomeadamente, que "a investigação criminal pode ser uma extensão de poder sobre outros poderes, sobretudo os de natureza politica".
Em entrevista à Renascença, Maria José Fernandes assume que não ficou surpreendida com o processo e adianta que pretende defender-se numa sessão pública.
Como reage à notícia de que vai ser alvo de um processo disciplinar?
Mantenho a serenidade que já tinha antes da decisão do Conselho [Superior do Ministério Público] de ontem. Já esperava, não é surpresa nenhuma para mim. Sei como funciona a casa, digamos assim. Conheço a sensibilidade dos magistrados, e eles estão em maioria na seção disciplinar e no Conselho. Não é, por isso, nenhuma surpresa. Estou tranquila, vou defender-me.
E como é que se vai defender?
Eu ainda não fui notificada porque ainda é cedo, claro. Mas quando.
Ainda não foi notificada, mas já foi notícia. Quer isso dizer que houve uma fuga de informação?
Provavelmente houve.
E vai questionar o Ministério Público sobre isso?
Não. Não vou.
Porque já é tradição?
Não é por isso. É porque entendo que saber-se isto, ou não se saber, não prejudica o processo em si. Ao passo que, às vezes, certas fugas em processos criminais prejudicam o andamento do processo e até a recolha de prova. Aqui não é o caso. Vivo na sociedade atual, moderna, na sociedade da comunicação e, por isso, não vou questionar nada disso. Não me importo.
E como é que se vai defender? Já preparou uma estratégia?
Olhe, eu estou a pensar apresentar a minha defesa em sessão pública, porque é uma faculdade que o estatuto permite e eu quero usá-la por entender que esta é uma matéria, e um processo disciplinar, que não é usual, digamos assim. Não é muito corrente, e tem as suas nuances de interesse público. Por isso, vou requerer, vou apresentar a minha defesa nessa sessão pública, como está previsto na lei.
Poderá ser um processo mais isento, sendo em sessão pública?
Não é mais isento, ou menos. Eu é que tenho interesse em fazê-lo publicamente, porque na sessão pública devem estar presentes os membros da secção disciplinar. Devem estar, segundo a norma do estatuto. E a procuradora-geral está também presente, preside.
E fazer uma defesa, apresentar alegações de defesa de forma oral, estando habituada à oralidade, porque trabalhei muitos anos em julgamento, parece-me que é uma maneira mais eficaz e mais impressiva de defesa.
No artigo de opinião que espoletou este processo disciplinar nunca refere diretamente o caso Influencer. Mas diz, ainda assim, que “a investigação criminal pode ser uma extensão de poder sobre outros poderes, sobretudo os de natureza política”, e é por isso - volto a citar - “que somos surpreendidos de vez em quando, com buscas, cuja utilidade e necessidade é nenhuma”. Mantém tudo aquilo que disse, tudo aquilo que escreveu neste texto?
Tudo, tudo. Não retiro uma vírgula.
Mesmo à luz do que sabe agora? Através de uma nova fuga de informação ficámos a saber, no dia do Congresso do PS, que António Costa é alegadamente suspeito de prevaricação. Mantém tudo aquilo que disse no seu texto?
Mantenho tudo o que disse. Mantenho tudo o que disse, e o tempo me dará razão. Estamos a viver tempos complexos, e turbulentos, do ponto de vista político...e na relação entre política e justiça, por várias razões, mas o tempo encarrega-se de repor as verdades, de clarificar. E, portanto, aguardo que o tempo passe e que a luz venha ao de cima.