Polícias, psiquiatras e um juiz na comissão de proteção de menores da Igreja de Lisboa
12-04-2019 - 16:45
 • Filipe d'Avillez

Foi anunciada esta sexta-feira a composição da comissão do patriarcado para lidar com casos de abusos na Igreja, que será coordenada por D. Américo Aguiar.

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O Patriarcado de Lisboa já tem uma Comissão para a Proteção de Menores, que ajudará a diocese a analisar e a responder a casos de abuso sexual de menores praticado por membros da Igreja ou em instituições ligadas à mesma.

A comissão conta com apenas dois elementos da Igreja portuguesa. Entre os restantes estão dois elementos das forças de segurança, Francisco Maria Correia de Oliveira Pereira, oficial e ex-diretor nacional da PSP, e José Alberto Campos Braz, que tem uma longa carreira na Polícia Judiciária e que é especializado em investigação criminal.

Do campo do Direito, integra a comissão o juiz José Souto de Moura, antigo procurador-geral da República, que numa edição do programa "Em Nome da Lei" da Renascença, em março deste ano, comentou o assunto dos abusos de menores na Igreja, dizendo que “o importante não é tanto olhar para o passado, porque a maioria dos abusos praticados por membros da Igreja já prescreveu", mas sim "olhar para o futuro, criando condições para que os crimes não se repitam”.

Da área da saúde mental vem Rute Agulhas, psicóloga forense especializada em prevenção de abusos sexuais, que à Renascença chegou a falar sobre outra problemática, que são as falsas acusações, embora em contexto familiar, mostrando o quão difícil pode ser averiguar a credibilidade de um denúncia deste tipo.

"Trabalho há 18 anos nesta área e não são assim tão poucas as situações em que tenho observado crianças em que se conclui não haver indicadores suficientemente consistentes no sentido de aquele relato ou daquele acusação corresponder a uma vivência. Concluímos que pode haver aqui algum propósito de prejudicar outra pessoa, nomeadamente de a afastar do convívio com a criança”, afirmou em março de 2016.

Há cerca de um ano, a especialista assinou um artigo no jornal online “Observador” em que explica que “a prevenção do abuso sexual é da responsabilidade de todos nós, enquanto comunidade" e "exige uma abordagem sistémica e holística, envolvendo a criança, os pais, professores e técnicos de uma forma geral".

"Exige ainda (talvez o mais difícil) que toda a comunidade passe a abordar este tema com a mesma naturalidade com que aborda a prevenção rodoviária ou realiza simulacros de sismos nas escolas”, acrescenta no mesmo artigo.

A completar a nova Comissão para a Proteção de Menores estão outros dois especialistas da área da saúde mental: o pedopsiquiatra Pedro Strecht Ribeiro e o psiquiatra e psicoterapeuta Vítor Viegas Cotovio, diretor clínico do Hospital Psiquiátrico do Telhal.

Juntam-se a eles Isabel Figueiredo, do grupo Renascença, responsável da área da comunicação e D. Américo Aguiar, recentemente ordenado bispo auxiliar de Lisboa, que coordenará os trabalhos.

Esta sexta-feira, os membros da Comissão reuniram-se pela primeira vez. Para além de D. Américo, há mais um clérigo no grupo, o cónego Álvaro Bizarro, que é também responsável pelo departamento económico do Patriarcado e formado em direito canónico.

Ao anunciar a comissão, D. Américo Aguiar explicou que "esta equipa pluridisciplinar vai tentar fazer o seu melhor naquilo que é a primeira prioridade: a proteção dos menores”.

A comissão terá por missão analisar denúncias de abusos sexuais e averiguar a sua credibilidade, bem como ajudar a Igreja a formular respostas às mesmas, no cumprimento dos desejos expressos pelo Papa Francisco este ano, no final da cimeira sobre abusos sexuais que decorreu no Vaticano.

Fazer como o Papa quer ver feito

A notícia de que o Patriarcado ia criar uma comissão com civis para proteção de menores já tinha sido dada no início de abril, precisamente por D. Américo Aguiar em entrevista à Renascença e ao Público, mas só agora é que se formalizou a sua constituição.

Na altura, D. Américo dizia que “é sempre gravíssimo quando há um caso de pedofilia e quando um padre está envolvido é ainda mais gravíssimo, porque o padre é a única pessoa que semanalmente se coloca em frente da comunidade a falar do Evangelho, de Jesus, da verdade, da justiça, dos mais débeis, dos mais frágeis. Esta pessoa não pode depois ter uma vida totalmente contrária e, muito menos, ser o predador ou ser aquele que vai atacar o jovem, o idoso ou a pessoa fragilizada. Isto não pode acontecer.”

Muitos países têm comissões desta natureza para ajudar os bispos a lidar com suspeitas e casos concretos de abusos de crianças dentro da Igreja, sendo que a realidade varia consoante a legislação nacional e a posição da conferência episcopal local.

Nalguns países, a denúncia de qualquer caso é obrigatória mas noutros não, havendo ainda casos em que as regras internas da Igreja a obrigam a informar as autoridades de qualquer denúncia. Em Portugal, essa informação não é obrigatória e um dos papéis da comissão agora formada será precisamente ajudar a fazer uma triagem entre os casos credíveis e os que não o são.

“O Papa, quando legisla, legisla para o mundo inteiro, para a Igreja Católica. Mas quando chegamos à realidade do país A e do país B, há legislações diferentes quanto à obrigação de denúncia, à não-obrigação de denúncia e por aí fora. Há dias, o Papa, num documento próprio de legislação para o Estado do Vaticano, disse: ‘Aqui, sou chefe de Estado e aqui quero que seja assim’. E ele quer que seja como está a dizer. E acho que ele está a dizer: ‘Façam como eu estou a fazer’. Nós estamos a trabalhar para que também isso aconteça”, disse D. Américo no início de abril.