O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) considera que deve ser concretizada a regulação do prazo de arrependimento para que quem faz gestação de substituição possa decidir se pretende ficar com a criança gerada.
O CNECV fez chegar ao Ministério da Saúde o terceiro parecer sobre este tipo de gestação. André Dias Pereira, vice-presidente do Conselho, explica à Renascença que falta clareza na regulação, nomeadamente da paternidade das crianças fruto destas gestações.
"Não está muito claro os tempos adequados para que a mulher gestante se possa arrepender. Se nos primeiros projetos parece que se podia arrepender imediatamente no primeiro momento do parto, agora abriu-se a porta a um conceito indeterminado em que fala da sua recuperação física e psíquica. Isso é muito indeterminado: pode durar muitos dias, se calhar até muitas semanas, se calhar muitos meses", adverte.
Na opinião de André Dias Pereira, a criança, "o sujeito mais vulnerável" do processo, "fica num limbo jurídico, não sabendo se vai ser filho da mulher gestante, dos beneficiários ou, porventura, de todos os desenvolvidos".
"Isso viola um princípio ético de respeito pela criança e do superior interesse da criança", frisa.
Riscos de uma lei vaga
Associado a este problema está o tema da parentalidade destas crianças, prioritário desde o acórdão do Tribunal Constitucional de 2018. Se a mulher gestante se arrepender e pretender ficar com o bebé, "há que regular todo o direito de afiliação, quem é a mãe e quem é o pai". O vice-presidente do CNECV mostra-se crítico para com o projeto-lei:
"Aquilo que se calhar está implícito, mas não está escrito em lado algum, é que a mulher gestante seria mãe numa família monoparental, mas isso, a meu ver, viola princípios éticos face à criança e aos beneficiários. Não se consegue descortinar nenhuma razão para que aquele homem que se envolveu num projeto parental e que até contribuiu com o seu material genético seja afastado da parentalidade."
André Dias Pereira antevê "processos judiciais complexos com decisões casuísticas e com uma grande segurança" se a lei for vaga.
"Isso viola um princípio ético da segurança da estabilidade da proteção do mais vulnerável em toda esta situação, que é a criança que vier a nascer. Este é, a nosso ver, um problema muito grande que tem de ser enfrentado pelo legislador. E na verdade nem é o legislador governo, é o legislador Presidente da República", declara.