O Tribunal da Concorrência absolveu a Cofina do pagamento de uma coima de 75 mil euros decidida, em maio de 2021, pela Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) pela divulgação de um vídeo de um alegado abuso sexual.
Em causa está a transmissão de um vídeo que circulava nas redes sociais sobre o alegado abuso de cariz sexual cometido contra uma jovem, no interior de um autocarro, no Porto, por altura da Queima das Fitas, em maio de 2017.
Na sua decisão, a ERC acusava o Correio da Manhã, nas versões em papel, online e de televisão, de violação da Lei de Imprensa e do Estatuto do Jornalista pela natureza do vídeo e o enquadramento dado serem suscetíveis de prejudicar manifesta, séria e gravemente a livre formação da personalidade de crianças e adolescentes.
Produzida a prova em julgamento, a juíza Mariana Machado discordou desse entendimento, concluindo que o tratamento jornalístico dado ao caso concorreu para a formação de censura social sobre o sucedido.
A sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, datada do passado dia 08 e consultada hoje pela Lusa, refere o modo crítico como foi equacionado o problema do consentimento em situações em que a vítima está alcoolizada e dado, a pais e jovens, o contexto de excessos em comemorações como a Queima das Fitas, potenciados pelo consumo de álcool.
Mariana Machado considera a cobertura noticiosa dada ao caso pelo Correio da Manhã “assertiva e clara na mensagem de repúdio e censura social” e esclarecedora quanto aos vários crimes que poderiam estar em causa, nomeadamente, os de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, devassa da vida privada e gravação ilícita.
“Sendo um tema desagradável e perturbante – não correspondendo ao ideário de comemorações de fim de ciclo de estudos – é um tema real, que existe em Portugal e em outros países, pelo que vem merecendo alertas e chamadas de atenção”, afirma a sentença, chamando a atenção para o facto de ele ter sido abordado como sendo merecedor de censura social.
O TCRS considera que a ERC não conferiu, na sua decisão, o “devido relevo ao contributo idóneo para alertar as famílias para a seriedade da situação vivida”, já que o tratamento dado ao caso, que incluiu comentários de juristas e psicólogos, entre outros, suscitou a discussão e o debate, sensibilizando para a adoção de comportamentos que evitem a repetição.
Por outro lado, afirma que o regulador menosprezou temas desenvolvidos na sequência do caso, como a investigação sobre a partilha de dados da intimidade e da reserva da vida privada em redes sociais de difícil acesso.
Na sua decisão, a ERC acusava o Correio da Manhã por ter usado as redes sociais como fonte predominante, de ter apontado indícios de crimes sem qualquer prova e de ter usado imagens desrespeitadoras da dignidade humana e que violaram os direitos de personalidade dos envolvidos, tendo evidenciado e repetido incessantemente imagens de cariz sexual, “numa exploração claramente sensacionalista”.
O Tribunal cita o depoimento de Carlos Rodrigues, comentador e diretor geral do CM, de que os espectadores deste órgão de comunicação social reconhecem o “tratamento colorido” que o caracterizam, estando por isso, preparados e cientes da exibição de reportagens impactantes e perturbadoras.
E conclui que ao Tribunal “não cabe sindicar os ‘estilos’ que uma sociedade plural e democrática necessariamente comporta no exercício das fulcrais liberdades de imprensa, de informação e de expressão”.