Quem é Alfie Evans?
Alfie Evans é um menino de 23 meses que está hospitalizado em Liverpool.
Alfie sofre de uma doença rara e que não foi diagnosticada. Os médicos dizem que se encontra num estado semivegetativo e que não existe cura.
Qual é a disputa?
O hospital quer desligar as máquinas que ajudam o Alfie a respirar, ato que conduziria à sua morte, mas os pais não aceitam e querem que o filho seja transferido para um hospital em Roma, ligado ao Vaticano, que se comprometeu a manter o suporte vital. O caso foi parar aos tribunais britânicos, que têm dado razão ao hospital.
O pai de Alfie tem sido ameaçado com detenção se tentar remover o seu filho do hospital.
Em causa está o conflito de interesses sobre o que é melhor para a criança e quem tem autoridade para tomar essas decisões. Os pais reivindicam esse direito, mas, no Reino Unido, em casos em que os médicos discordam da opinião dos pais, o assunto acaba por ir parar aos tribunais que, em nome do Estado, têm a autoridade para decidir em prol do bem dos menores. Neste caso a interrupção do suporte vital tem sido apresentado como sendo no melhor interesse da criança, apesar de lhe causar a morte, algo que os pais rejeitam.
No dia 23 de abril, o Governo italiano atribuiu cidadania italiana a Alfie Evans, na esperança de que isso facilite o pedido de transferência para o hospital Bambino Gesù, em Roma. Nessa mesma noite o hospital desligou as máquinas que ajudavam Alfie a respirar mas, surpreendentemente, o menino conseguiu respirar sozinho durante várias horas, até que os médicos concordaram voltar a oxigenar e hidratar o bebé.
No dia 24 de abril, perante a resistência de Alfie, o juiz aceitou novamente ouvir os pais e o hospital, não permitiu que o menino seja transferido para Itália, mas pediu ao hospital para avaliar a possibilidade de deixar a criança ir para casa.
Qual é a posição da Igreja?
O pai de Alfie é católico e tem feito várias referências religiosas nos seus apelos para poder continuar a tratar do seu filho. A Igreja tem sempre um interesse nestes casos éticos, mas, neste em particular, foi a família a levantar a questão religiosa.
Alfie é da diocese de Liverpool, mas o arcebispo local tem sido muito criticado pela família por não se envolver mais diretamente no caso. A arquidiocese emitiu um comunicado de apenas duas linhas, dizendo que rezava por Alfie e pela sua família, mas a família criticou esta posição por ser ambígua e não abordar a questão central, apelando à proteção da vida da criança. O pai de Alfie escreveu ao arcebispo Paul Bayes a pedir que este o ajudasse a chegar ao Papa para apresentar as suas preocupações.
No dia 4 de Abril o Papa referiu-se ao caso de Alfie num tweet e no passado domingo, na oração do Regina Coeli, o Papa referiu o assunto e esta quarta-feira recebeu Tom Evans em audiência privada. Francisco realçou que é um dever “fazer tudo para guardar a vida”. Aparentemente foi um bispo italiano, e não o arcebispo de Liverpool, que intermediou o acesso ao Papa.
Também o arcebispo Paglia, da Academia Pontifícia para a Vida, falou no assunto publicando uma nota em que diz que “Alfie não poe ser abandonado. Alfie tem de ser amado, tal como os seus pais, até ao fim”.
Esta quarta-feira a conferência episcopal que junta os bispos ingleses e do País de Gales emitiu um comunicado sobre o caso do Alfie, manifestando a sua proximidade com a família do Alfie "que fazem tudo o que está ao seu alcance para cuidar do seu filho". Mas os bispos dizem também que acreditam que todas as partes envolvidas estão a tomar decisões difíceis "com integridade e em prol do bem do Alfie, do seu ponto de vista".
Os bispos defendem ainda o hospital e os seus profissionais, que têm sido criticados pelos apoiantes da família do Alfie e dizem que cabe agora ao hospital Bambino Gesù, em Roma, apresentar aos tribunais as razões pelas quais acham que neste caso devia ser aberta uma exceção, permitindo a sua transferência.
No dia 23 de Abril, com os recursos judiciais esgotados mas já depois de o Governo italiano ter concedido cidadania a Alfie, o Papa voltou a referir-se ao caso num tweet, pedindo que seja respeitada a vontade dos pais de deixar o menino ser transferido para Roma.
Este é mais um caso “Charlie Gard”?
Este caso apresenta várias semelhanças ao do Charlie Gard, outra criança britânica que se viu no meio de uma disputa legal o ano passado, acabando por morrer.
Também na situação do Charlie havia discordância entre pais e hospital e acabaram por ser os juízes a ordenar que as máquinas fossem desligadas.
Contudo, há algumas diferenças significativas. Os pais de Charlie Gard queriam transferir o seu filho para os Estados Unidos, para fazer um tratamento que acreditavam poderia melhorar o seu estado de saúde. Contudo, quando o médico americano em causa finalmente viajou para o Reino Unido para falar do seu “tratamento revolucionário”, concluiu-se que não havia qualquer base para acreditar que funcionaria, que nunca tinha sido testado sequer em ratos de laboratório e que não havia qualquer garantia que não acabaria por prejudicar ainda mais a criança.
Já os pais de Alfie Evans querem apenas manter o seu filho vivo, uma vez que acreditam que a sua vida ainda tem valor. Tom Evans critica a decisão do juiz que afirmou que a vida do seu filho era “fútil” e diz: “Eu não sou médico, mas posso ver que o meu filho está vivo e que não está a ser tratado. Há meses que peço ao hospital, e continuo a pedir, que me deixem transferir o nosso filho, este filho de Deus, para o hospital do Papa, que prometeu cuidar dele, até que Nosso Senhor o permita e até que Alfie dê por concluída a sua viagem”.
Uma das questões importantes para a avaliação do caso é saber até que ponto Alfie está em sofrimento ou não. Tal como no caso Charlie Gard, é difícil chegar a conclusões, uma vez que os hospitais estão impedidos de divulgar publicamente dados sobre a condição médica da criança, pelo que apenas dispomos da informação dada pelos pais e daquela que é referida pelos juízes nas suas sentenças.
Esta é uma questão de eutanásia?
Embora Tom Evans tenha dito que sim, este não pode ser considerado um caso de eutanásia. A eutanásia implica causar diretamente a morte a alguém, a seu pedido (eutanásia voluntária) ou não (eutanásia involuntária).
Da perspetiva dos médicos, trata-se antes de um caso de distanásia, isto é, a insistência em cuidados médicos para prolongar a vida, para além do razoável, mesmo que isso acabe por causar mais sofrimento.
A distanásia e a eutanásia são ambas condenadas no Cristianismo, independentemente da idade do doente em causa.
Do ponto de vista ético, há uma distinção muito importante a fazer. É uma coisa dizer que o tratamento no caso de Alfie, para além de não apresentar qualquer possibilidade de cura ou de melhoria, lhe está a causar sofrimento. Outra coisa é dizer que o tratamento não está a causar sofrimento, mas que a vida do bebé, por não haver possibilidade de cura ou melhora, não tem valor, ou é indigna, e por isso mantê-lo vivo seria inútil. Esta segunda posição – que no entender dos pais de Alfie é o que estão a dizer os médicos e os tribunais – seria condenável do ponto de vista cristão, uma vez que a dignidade humana não depende da capacidade física da pessoa ou da sua utilidade social.
[Notícia atualizada dia 24/04 com a reação de Alfie quando foram desligadas as máquinas e a decisão do juiz de não permitir a viagem para Itália]
[Notícia atualizada dia 23/04 com a atribuição de cidadania italiana a Alfie Evans]
[Noticia atualizada às 13h51 com a nota da conferência episcopal de Inglaterra e País de Gales]