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Falta meia-hora para começar o espectáculo e o bar já está completamente cheio. Não há lugares sentados e, mesmo em pé, é difícil arranjar um lugar para se encostar ao balcão ou à parede. A efervescência é total, o barulho ensurdecedor, o álcool escorre em abundância e os ecrãs estão sintonizados no canal que vai transmitir o “show” não tarda nada.
Toda a gente tem um autocolante ao peito de um dos clubes que vai entrar em jogo e nas paredes estão também símbolos dos clubes por todo o lado. A cada cinco minutos, uma "cheerleader" (uma animadora de serviço em estilo universitário) aquece as hostes com incitamentos ao clube e apelos à mobilização. Os empregados correm de um lado para o outro para satisfazer os pedidos, sobem escadas, descem escadas, toda a gente fala alto e pouco se consegue ouvir.
À hora prevista, o espectáculo começa e o barulho abranda significativamente, mas não totalmente. Há sempre quem continue a falar, a discutir, a gesticular e não preste demasiada atenção ao que se passa no ecrã.
Mas quando Hillary Clinton entra em campo, vestida de branco, é o delírio - palmas, gritos, saltos, uma onda avassaladora que atesta a fidelidade dos adeptos. É por ela que eles estão ali, é ela que lhes desperta a paixão e que os mobiliza para duas horas de debate vividas com grande intensidade e muita cerveja à mistura.
Uma minoria "esclarecida"
A um observador incauto poderia parecer que os americanos seguem a política com a mesma paixão com que seguem o desporto. Mas é uma ilusão. Estas cenas acontecem durante todo o ano, todos os anos, quando estão em causa grandes jogos da NBA, de futebol ou de basebol. Na política, só de quatro em quatro anos e em círculos relativamente restritos.
Seria, aliás, um erro identificar estes nova-iorquinos que se juntaram num bar de Manhattan numa quinta-feira, depois do emprego, para verem o debate entre Hillary Clinton e Bernie Sanders com aqueles que todas as semanas acompanham em circunstâncias idênticas as transmissões desportivas. Estes pertencem a uma minoria politizada, que acompanha as questões da vida pública, que tem pontos de vista fundamentados e os defende com racionalidade, que segue a par e passo uma campanha eleitoral em todos os seus pormenores, que está muito bem informada e que adora discutir política.
E isso percebe-se claramente em circunstâncias particulares. Quando os moderadores colocam perguntas incómodas ao candidato rival, a satisfação ruidosa da multidão faz-se notar mesmo antes de acabar a formulação da pergunta. Como, por exemplo, quando o pivot da CNN, Wolf Blitzer, perguntou a Sanders se o seu forte criticismo às grandes empresas não prejudicaria a atracção de investimento estrangeiro para o país. Ou quando a sua candidata dispara um argumento forte, ainda ela não acabou de o proferir e já no bar se rejubila com ele. Como por exemplo quando Hillary disse que a crítica recorrente de Sanders ao sistema de saúde era uma crítica a Obama e não a ela.
Esta gente conhece bem os temas da campanha, as questões incómodas para um e para outro, segue a agenda e nada lhes escapa. É o caso de César Miranda, que começou a abanar a cabeça quando Hillary disse que era a favor do aumento do salário mínimo nacional para 15 dólares a hora. Pressionada por Sanders, Clinton prometeu que se for presidente e o Congresso aprovar tal medida, a promulgará.
"Nerds” da política
César, um jovem com pouco mais de 20 anos, americano de origem peruana, trabalha em consultadoria e graduou-se na Universidade de Nova Iorque (NYU) em Ciência Politica. Já andou pela China e pela Europa e até conhece Portugal, mas agora deplora a cedência de Hillary à “demagogia” de Sanders. “O salário mínimo hoje são pouco mais de sete dólares, duplicá-lo significaria liquidar milhares de pequenas e médias empresas em todo o país. Talvez seja possível em cidades como Nova Iorque, Los Angeles ou Seattle, mas nunca no Kentucky ou em Fresno, na Califórnia. Seria uma medida que, em vez de beneficiar a economia, só a prejudicaria”.
Hillary, aliás, começou esta campanha a defender um aumento do salário mínimo para 12 dólares, mas ontem surpreendeu tudo e todos ao defender os 15 dólares. Sanders aproveitou para assinalar a “surpresa” e disse que ela tinha sido ultrapassada pelos acontecimentos, uma vez que várias cidades já aprovaram os 15 dólares.
“É uma afirmação que vai causar-lhe dissabores na campanha porque os republicanos vão explorá-la o mais possível, mas ela aqui em Nova Iorque tem de lutar pelos votos dos sindicatos”, assinala Tim Spencer, amigo, colega de trabalho e de curso de César. “Tem de haver salário mínimo, claro, mas não pode ser duplicado de repente. Não há economia que aguente”.
Eles são um dos pares mais activos no bar. Discutem tudo, são “nerds” da política, como se definem. Tim confessa que concorda com as ideias de ambos, que são muito próximas, e especifica que a defesa de um serviço nacional de saúde universal, ou da licença de maternidade paga, ou de um forte investimento em educação, têm a sua adesão incondicional. Mas reclama realismo e acha que Sanders não tem qualquer ideia de como implementar as políticas que defende. “Hillary tem muito mais substância. Em 26 anos no Senado, Sanders só apresentou três projectos-lei e dois eram sobre a criação de postos de correios no Vermont. Em oito anos de Senado, Hillary apresentou 30 projectos”.
Apesar de serem adeptos de Hillary, tentam seguir o fenómeno com algum distanciamento. E não hesitam no final em conceder que Clinton venceu o debate, mas por pouco. “Ela não fez o melhor que podia”, admitem, embora lhes pareça que isso não lhe vai custar votos em Nova Iorque na próxima terça-feira. “Esta primária é fechada, só votam os que estão registados desde Outubro e por isso os dados estão lançados”, prognosticam.
Quem ganhou?
No final, o estado de espírito no bar não parecia tão optimista, porém. Naquele que foi o debate mais agressivo entre os dois democratas, percebia-se alguma frustração por Hillary não se ter destacado mais, o que parece decorrer do facto de haver um reconhecimento generalizado de que Sanders terá sido mais assertivo na defesa dos seus pontos de vista. Sobretudo na declaração final, o senador do Vermont esteve mais acutilante do que a rival, que só recebeu palmas entusiásticas quando elogiou os “valores de Nova Iorque”, num remoque indirecto a Ted Cruz, o republicano que não se cansa de os criticar. Os fãs de Hillary talvez esperassem dela uma clara vitória, mas o debate acabou por ser equilibrado, com cada um deles a marcar pontos em temas diferentes.
Momentos houve em que estes adeptos de Clinton se mantiveram em silêncio, denunciando algum incómodo com as posições da sua líder. Foi o caso da defesa veemente de Israel, assunto em que a posição de Bernie Sanders – menos pró-israelita e mais sensível à necessidade da criação de um Estado palestiniano – até recolheu algumas palmas tímidas no bar. E o caso dos honorários recebidos por Clinton pelas conferências dadas no banco Goldman Sachs, que ascenderam a 675 mil dólares. Porque não divulga o teor dos seus discursos no Goldman Sachs e arruma a questão?, inquiriu Dana Bash, da CNN. Hillary respondeu que só o faria se outros candidatos o fizessem, como Donald Trump, por exemplo. E virou a questão para a divulgação pública da declaração de impostos, desafiando Sanders a fazê-lo. O rival disse que o faria já nos próximos dias, arrumando com uma especulação que andava no ar e retirando um trunfo a Clinton. O bar de Hillary acusou o toque.
As eleições primárias no estado de Nova Iorque são já na terça-feira, dia 19, e estão em jogo 291 delegados a distribuir proporcionalmente entre os dois candidatos. Até à noite de quinta-feira, Hillary Clinton liderava as sondagens com uma vantagem que oscilava entre os 10 e os 15 pontos. Veremos se o debate teve algum efeito no comportamento dos eleitores.