Em nenhuma das 46 páginas do parecer do Conselho Económico e Social (CES) sobre a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2023, discutido e votado esta segunda-feira em plenário, se fala na fatalidade de um orçamento retificativo ou suplementar, mas o documento tem diversos alertas sobre a "incerteza" internacional que se vive e que coloca riscos "elevados" ao acerto das previsões económicas do Governo, provocando a eventual necessidade de ajustes.
No documento a que a Renascença teve acesso, lê-se que "as tendências que se verificam a nível da economia global e que se exprimem nas projeções das instituições internacionais relevantes, o cenário macroeconómico apresentado como enquadramento da proposta de orçamento corre sérios riscos de não se concretizar".
A proposta de OE é ainda considerada "tímida nas medidas de apoio aos efeitos económicos e sociais" da guerra na Ucrânia, "cautelosa em relação à evolução europeia na resposta à crise", mas, ainda assim o CES nota que a proposta do Governo tem "margem de manobra para fazer face às repercussões internas de um eventual agravamento da situação internacional".
Os alertas do CES prosseguem ao longo do documento, aconselhando que o Governo "deverá adotar uma postura flexível e dinâmica na execução orçamental, respondendo com prontidão às situações mais imprevistas, designadamente em termos de um reforço dos apoios às famílias e às empresas".
Em caso de recessão vão ser necessárias "novas medidas excecionais" para famílias e empresas
O CES conclui que há um "relativo otimismo" no cenário macroeconómico apresentado pelo Governo, que "poderá justificar-se", diz o parecer, "tendo em conta a evolução da economia portuguesa em 2022".
Ora, o parecer aponta, contudo, para "os riscos de não concretização" destas previsões, que são considerados "elevados e mostram tendência a aumentar ainda mais, tendo em conta a evolução mais recente da situação internacional e os seus impactos nos mercados da energia".
Na síntese do documento dos conselheiros lê-se que "o próprio governo tem consciência dos riscos associados ao cenário macroeconómico, não estando inteiramente confiante de que as projeções se venham a verificar, com as consequentes necessidades de proceder a ajustamentos".
E mais à frente no parecer volta a falar-se da necessidade de "novas medidas excecionais para apoiar famílias e empresas" se os efeitos da guerra na Ucrânia se agravarem. O documento fala da possibilidade de esse agravamento "levar à adoção de medidas mais restritivas, como a subida das taxas de juro, como instrumento de combate à inflação, favorecendo o desenvolvimento de condições para a recessão" e aí será preciso dar resposta às famílias e às empresas.
Alertas sobre cautelas e caldos de prudência a mais vs. a "adequação à realidade" das previsões
O "otimismo" das previsões pode bater de frente com a realidade, sendo esse um alerta constante do documento do CES, como já vimos. Por exemplo, os conselheiros notam que "o governo toma por base valores para a inflação em 2022 e 2023 abaixo das previsões dos outros organismos, nacionais e internacionais".
Ora, o CES avisa que se esses valores "não se verificarem terão naturalmente repercussões no saldo das contas públicas, nomeadamente, no défice e na dívida". E, mais à frente, lê-se que "naturalmente, a primeira questão que se colocará em termos do cenário apresentado é o da sua adequação à realidade. Isto é, saber em que medida é um cenário que se concretizará ao longo do período de execução".
Os conselheiros consideram ainda que o desenho do OE para 2023 "revela da parte do governo a adoção de uma postura cautelosa", mas também aqui ficam avisos do CES. "Uma prudência orçamental excessiva trará repercussões evidentes em termos de disponibilização de apoios internos aos diferentes agentes económicos, para fazerem face às consequências mais gravosas da crise".
Nota positiva do CES para uma proposta de OE que "incorpora os compromissos assumidos no recente Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade, assinado pelas quatro confederações patronais e pela UGT".
Os conselheiros reforçam que estes acordos resultam em "efeitos em áreas como a fiscalidade, e que se repercutem direta ou indiretamente nos objetivos de valorização de rendimentos, de mitigação do aumento de preços ou de redução de custos de contexto e da criação de um enquadramento mais favorável à competitividade".
O CES assume mesmo que o que foi acordado entre os parceiros e o Governo pode "contribuir para uma maior eficiência da ação governativa e da mitigação dos impactos da deterioração da situação económica sobre as famílias e as empresas".
Contudo, ao longo das 46 páginas o documento do CES deixa implícito que tudo vai depender de como evolui a situação internacional e a guerra na Ucrânia, sendo que é público que, por exemplo, o acordo de rendimentos inclui uma cláusula de salvaguarda que permite avaliar anualmente as medidas.