Depois de um ano interrompida, devido à pandemia, a procissão do Senhor dos Passos da Graça sai de novo à rua no próximo domingo, retomando o percurso habitual que atravessa a cidade de Lisboa. Sendo um momento especial de oração na cidade, este ano vai lembrar a Ucrânia e pedir pelo “fim da guerra”.
Francisco de Mendia, da Real Irmandade da Santa Cruz e Passos da Graça, explica à Renascença que não podiam ficar indiferentes ao drama do povo ucraniano. “A procissão faz a recriação da Via Sacra nesta altura da Quaresma, que é uma altura importante para todos os católicos, de reflexão, introspeção e oração, e não podíamos ficar indiferentes. Vemos na televisão todos os dias situações dramáticas de pessoas a fugir de um país que está a ser destruído, por isso a intenção este ano em primeiro lugar tem de ser direcionada para a Ucrânia, toda a gente na Irmandade concordou”, conta.
A comunidade ucraniana também irá participar. “Foram todos convidados, e vão estar representados pela embaixadora, o consul honorário, o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal. Queremos dar algum conforto a estas pessoas, que são nossos irmãos e estão a passar por um momento muito difícil”, sublinha o responsável da Irmandade, que já tem a confirmação de algumas presenças por parte de entidades oficiais. “O presidente da câmara estará presente, com o resto da vereação e com a presidente da Assembleia municipal”.
O cortejo da procissão do Senhor dos Passos vai descer a colina do Chiado e subir a da Graça, atravessando a baixa da cidade. “Saímos às três em ponto da Igreja de S. Roque, seguindo pela Rua da Misericórdia, Rua Garret, Rossio, Martim Moniz, e subimos a Calçada dos Cavaleiros até à Graça. Devem ser cerca de duas horas, duas horas e meia de percurso, com sete paragens da Via Sacra”, explica, acrescentando que “o momento alto é quando chegamos à Graça e o presidente da cerimónia abençoa a cidade de Lisboa”.
Uma procissão com peças únicas
O cortejo do Senhor dos Passos da Graça é habitualmente muito participado e visualmente muito rico. “É uma procissão feita para os lisboetas e católicos, e que não deixa ninguém indiferente, não só pela devoção que encerra em si mesma, mas também por toda a componente cénica, se quisermos, porque temos peças muito bonitas. É verdadeiramente surpreendente ver passar pelo meio de Lisboa uma procissão com a dimensão que esta tem”, explica Francisco de Mendia, que lembra que manter em bom estado o património que herdaram é uma preocupação da Irmandade desde que foi criada, para dar dignidade à procissão como manifestação pública de fé.
“A Real Irmandade da Santa Cruz e da Passos da Graça foi constituída em 1586, com este objetivo específico de fazer a procissão do Senhor dos Passos, inspirada nas procissões que já existiam em Sevilha nessa altura. O nosso fundador, Luís Álvares de Andrade, que era um pintor, quis trazer esta devoção para Lisboa, e desde essa altura até agora que todos os irmãos do Senhor dos Passos da Graça tentam dar o melhor e mandar fazer as melhores peças aos melhores escultores e pintores”.
“Estas alfaias todas, as lanternas, os andores, o pálio, são tudo peças muito bonitas. E temos peças únicas, a começar pelo Santo Lenho. É uma peça rara, um bocadinho da Cruz de Cristo, que o presidente da cerimónia transporta debaixo do pálio. É a peça principal que a Irmandade tem, mas independentemente da componente religiosa ser a que nos interessa mais, com a recriação da Via Sacra em plena Quaresma e atravessando o coração de Lisboa, ver passar esta procissão com estas peças não deixa ninguém indiferente”, sublinha.
Em 2020 a Irmandade conseguiu recuperar e restaurar uma capela que tinham perdido em 1912. “Com apoio da CML, que já anteriormente nos tinha dado o usufruto, conseguimos comprar a capela aos donos do edifício e fizemos o restauro. É a capela de Santo André, que fica no largo Rodrigues de Freitas, onde é lido o penúltimo serão da Via Sacra, antes de subir à Graça”.
“Recuperámos a capela e mandamos fazer um quadro, evocando a leitura que é ali lida, ao arquiteto João de Sousa Araújo, que é possivelmente um dos maiores pintores de arte sacra que temos em Portugal neste momento. No fundo é isto, a cada momento e o período, os irmãos do Senhor dos Passos da Graça tentam dar o melhor à Irmandade”, refere Francisco de Mendia. A manutenção das peças antigas é outra preocupação. “Todos os anos são restauradas, para que estejam na melhor forma possível para quando sai a procissão”.
A procissão é presidida pelo bispo auxiliar de Lisboa, D. Joaquim Mendes. O cortejo vai partir às 15 horas da igreja de São Roque, no Bairro Alto, seguirá depois pelas ruas do Chiado e da Baixa até à Igreja da Graça, de onde se fará a bênção da cidade.