A demissão do primeiro-ministro não é da responsabilidade do Ministério Público, defendeu esta quinta-feira o presidente do Sindicato de Magistrados do MP.
Em declarações à Renascença, Adão Carvalho diz que a decisão de se demitir foi pessoal e exclusiva de António Costa, após o anúncio da Procuradoria-Geral da República (PGR) de um inquérito-crime autónomo visando o chefe de Governo.
"A demissão não é assacada ao Ministério Público, até porque a pessoa que pediu a demissão sabe perfeitamente como funciona o sistema de justiça, conhece a lei e conhece o que é um inquérito e o que é notícia de um crime, e portanto sabe perfeitamente o que estará em causa", defende o magistrado.
"Essa decisão é apenas da responsabilidade do próprio, de uma avaliação subjetiva e política que fez sobre a situação, não é uma avaliação jurídica enquadrada em qualquer processo. Trata-se de uma avaliação pessoal, de sentir que, naquelas circunstâncias, não tinha condições para continuar. Penso que não faz qualquer sentido estarmos a tentar imputar ao Ministério Público a responsabilidade por essa decisão."
Adão Carvalho considera que o Ministério Público comunicou na medida perfeita o que tinha de comunicar sobre a Operação Influencer, numa altura emque se elevam críticas à inclusão da informação sobre o inquérito ao primeiro-ministro.
Para o responsável sindical, se a Procuradoria-Geral da República (PGR) sabia que "esse facto vai ser do conhecimento público, designadamente porque está relacionado com outro processo em que os visados vão ter conhecimento de factos donde poderão extrair que também vai ser instaurado um procedimento criminal em relação a essa outra pessoa que vai ser objeto de investigação num inquérito separado", então "só tinha de informar".
"Nós tantas vezes queixamo-nos da falta e da ausência de informação. Essa informação, necessariamente mais tarde ou mais cedo, viria a público e, quando viesse, a queixa que todos os cidadãos, jornalistas e políticos iam fazer era que a PGR tinha ficado em silêncio."
Adão Carvalho considera ainda que António Costa não tinha de ser informado previamente deste inquérito-crime, embora se a decisão fosse sua teria feito as coisas de forma diferente.
"Não há na lei e nas obrigações em termos de protocolo entre órgãos de soberania [a indicar] que deva ser dado conhecimento previamente de que vai ser instaurado um inquérito a quem exerce estas funções. Dou-lhe a minha opinião pessoal: a mim não me feria que, uma vez que aquele comunicado foi para a comunicação social, tivesse sido primeiro transmitido à pessoa em causa. Mas não existe nenhuma obrigação."
Questionado sobre se terá ficado em causa a separação do poder judicial e político com a chamada a Belém da atual procuradora-geral da República, Lucília Gago, Adão Carvalho diz considerar que não, e destaca que o que o MP está é a desenvolver a fase de inquérito, que é a natural forma de iniciar qualquer processo, que pode ou não redundar numa acusação.
"Estamos na fase da recolha da prova e de indícios, com vista a aferir no final dessa fase processual se existem indícios suficientes para poder acusar alguém, é isso que é o inquérito", ressalta.
"O facto de o MP iniciar um inquérito não quer dizer que, no final, vai ter de acusar, nem que vai ou que pode ser responsabilizado pelo facto de chegar à conclusão de que a prova não é suficiente para acusar. Se calhar em vez de estarmos a empolar e a transformar aquilo que é o início de uma investigação em algo que, no fundo, já é uma decisão defenitiva, se calhar contribuía que todos nós começássemos a esclarecer que não, que é o início do inquérito, e que é esse o papel do MP."