A explosão do comércio eletrónico em tempo de pandemia vai modificar muito em breve a disposição das lojas físicas. O cenário é traçado por dois especialistas ouvidos no programa "Da Capa à Contracapa", em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde debateram os desafios da adoção crescente dos canais digitais pelos consumidores.
O Presidente da Associação da Economia Digital Alexandre Nilo Fonseca admite que o pós-pandemia vai passar pela combinação do "webrooming" ( compra em loja física de artigos pesquisados na internet) com "showrooming ( processo inverso em que o cliente percorre as lojas a analisar produtos que depois adquire online) com espaço ainda para uma terceira tendência que passa por processos totalmente digitais. Em todos os cenários, a loja física deixa de ser o local exclusivo de venda de produtos com impacto na forma como a oferta irá ao encontro da procura.
"A experiência que os centros comerciais vão proporcionar aos clientes vai ser forçosamente diferente. Vai resultar de uma combinação entre o físico e o digital, mas a loja física e o centro comercial tradicional não vão desaparecer de todo. Vão transfigurar-se para proporcionar um serviço diferente, complementar, que trabalhe bem melhor a vertente da experiência. Por exemplo, um retalhista que não tenha marca própria tem alguma dificuldade em diferenciar-se pelo produto e pelo preço porque o mercado é extremamente competitivo e portanto vê na loja física um fator fundamental para que consiga essa diferenciação e com isso trabalhe a satisfação e a retenção de clientes", afirma por seu lado Miguel Veloso, Sénior Manager nas áreas de Transportes, Indústria, Retalho e Consumo da Accenture Portugal.
A loja física ou o centro comercial não vão desaparecer até porque, diz Miguel Veloso, já há grandes redes de lojas que estão a trabalhar na transformação dos seus espaços em centros de abastecimento de compras eletrónicas.
"Os retalhistas que têm neste momento redes de lojas irão repensar o papel que cada loja física tem no seu ecossistema, se devem manter a loja aberta ou fechada, se a localização é melhor ou pior e se as lojas devem ser reconfiguradas para que passem a abastecer o comércio eletrónico. A reflexão sobre a transformação de lojas físicas em centros de abastecimento de encomendas online está a acontecer e será uma tendência que será acentuada seguramente no futuro. É uma visão de tendência e já está a acontecer neste momento", assegura este especialista da Accenture Portugal para área de Transportes, Indústria, Retalho e Consumo.
Aumento da procura de comércio eletrónico nacional
As estatísticas mais recentes sobre comércio eletrónico vieram da SIBS, entidade que gere a rede Multibanco, que anunciou na semana passada que o comércio através da Internet disparou num ano de pandemia. Valia 10% antes da COVID e já vale 18% das compras no atual confinamento.
Miguel Veloso diz que, mesmo com o aumento do comércio eletrónico, os portugueses foram criteriosos na hora de gastar dinheiro em compras em tempo de pandemia. Este especialista indica que as famílias " por constrangimentos económicos atuais ou por prudência em relação ao futuro" estão a adiar decisões de compra de artigos que não são de primeira necessidade. E neste último caso, há uma reconfiguração dos cabazes de compras em que os artigos "premium" são substituídos por artigos de segunda linha, acentua Veloso.
Alexandre Nilo Fonseca, Presidente da Associação da Economia Digital, assinala um crescimento muito significativo das "compras do dia-a-dia" como o sector alimentar, incluindo as refeições entregues em casa, a par de um aumento relevante de venda de produtos eletrónicos.
"Talvez o efeito mais relevante tenha sido não só o aumento das compras online, em termos absolutos, pelos portugueses, mas também a concentração das compras em sites portugueses", sublinha Nilo Fonseca que acentua o contributo do pequeno comércio nas vendas online em Portugal.
Pequeno comércio explode na Net
O presidente da ACEPI recorda que em Outubro de 2019 apenas 40% das empresas portuguesas tinham uma presença online, como um site ou uma presença nas redes sociais. " 60% das empresas portuguesas estavam desconectadas. É como se não existissem nos dias de hoje. Se as procurarmos no Google Maps elas provavelmente não apareceriam", insiste Nilo Fonseca para contrastar com os dados de outubro de 2020 que fizeram aumentar a percentagem de empresas com presença na Internet para 60%.
"São 20 pontos percentuais. Esse número acontece essencialmente pelo impacto das microempresas. Este crescimento deve-se ao crescimento das empresas com menos de 10 colaboradores e mostra bem que os pequenos comerciantes perceberam que é inevitável ter uma presença online. Não estar online é como não existir", remata Alexandre Nilo Fonseca no debate sobre comércio eletrónico no "Da Capa à Contracapa" da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.