“Fora PT! Fora PT”, ouve-se de um megafone no alto de um camião parado na Avenida Paulista em São Paulo. À sua volta, centenas de brasileiros repetem o mote e celebram a vitória de Jair Bolsonaro como o próximo presidente do Brasil.
“Eu estou extremamente feliz com a saída do PT do governo. Foram muitos anos de sofrimento no nosso país, a pobreza aumentou, a corrupção aumentou…”, por isso Pedro, médico, é um dos muitos paulistanos a celebrar a vitória de Bolsonaro. O jovem diz acreditar que o novo Presidente vai trazer uma mudança, “melhorar o desemprego, a segurança”.
O ex-militar, de 63 anos, foi eleito com mais de 55% dos votos na noite eleitoral de Domingo, dia 28 de outubro. A vitória do candidato de extrema-direita é a maior mudança política no Brasil nos últimos 30 anos e marca também o fim dos 16 anos de governos centro-esquerda, a maioria sob o controle de Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores.
Jair Bolsonaro recebe uma pasta pesada: mais de 12 milhões de desempregados, 60 mil homicídios por ano, dívida pública a rondar os 77% do PIB, a corrupção enraizada nos sistemas e um povo completamente dividido.
Mas os desafios de Bolsonaro foram também o segredo do seu sucesso. Enquanto candidato Bolsonaro prometeu resolver todos esses problemas, muitas vezes sem explicar o porquê, mas foi o suficiente para ganhar o voto de 57.7 milhões de pessoas.
“Ele não explica como vai fazer as coisas, mas a gente acredita”, conta Fábio, fotógrafo. “Eu acredito que ele vai trazer mais emprego, mais segurança, mais saúde e mais educação. Ele vai trazer de volta o orgulho de ser brasileiro”, diz.
“Eu votei no Bolsonaro, porque eu voto no Brasil”, conta Jessica. A nordestina diz que os brasileiros da sua região- tipicamente eleitores de esquerda- “acordaram” e vão poder finalmente ver as suas vidas melhoras. “Talvez agora eu possa voltar para a minha terra”, diz à Renascença, enquanto ata uma bandeira às costas e ajeita a faixa no cabelo onde se lê o nome do novo presidente.
Apesar de ter tido uma das taxas de rejeição mais altas de sempre entre candidatos, Bolsonaro não ganhou só a presidência. Conquistou estados que há anos votavam Partido dos Trabalhadores. Levou o seu partido (PSL) à conquista de cargos de governador, senador e deputados que não viam rotatividade há anos. E, mais significativamente, conseguiu que o seu partido conquistasse a segunda maior bancada de deputados no Congresso (a seguir ao PT). Desde a vitória geográfica à administrativa, Bolsonaro toma o cargo com o apoio do povo mas também do poder legislativo o que facilitará certamente, que as suas ideias e promessas sejam postas em prática.
Numa mensagem publicada nas redes sociais pouco depois dos resultados, Jair Bolsonaro disse que vai seguir “os ensinamentos de Deus, ao lado da Constituição” para “começar a fazer um Governo e colocar o Brasil no lugar de destaque”.
“O povo entendeu a verdade. Sabemos para onde queremos ir”, acrescentou.
No entanto o “Brasil” que Bolsonaro promete é uma visão assustadora para muitos outros milhões de pessoas. O ex-militar tece frequentemente comentários racistas, homofóbicos e machistas. Durante a sua campanha, o slogan #EleNão ficou conhecido como o mote da resistência contra Bolsonaro, sobretudo pela voz de mulheres, negros e membros da comunidade LGBT. Para muitos brasileiro o futuro do Brasil é perigoso nas mãos de Bolsonaro. Eles receiam que o novo presidente possa inflamar mais brutalidade policial, menos direitos para as mulheres e mais mortes de pessoas LGBT (o Brasil já é o país do mundo com o maior número de assassinatos de LGBT).
Num comunicado enviado na noite eleitoral, o Observatório para os Direitos Humanos (HRW) avisou que “a justiça brasileira devem resistir a quaisquer tentativas do governo de Bolsonaro de atacar direitos humanos, as leis e a democracia”, dizendo que o novo presidente é “um preconceituoso que defende a tortura”.
De facto, a vitória de Bolsonaro também marca o fim de uma campanha eleitoral extremamente violenta. Vários casos de violência contra grupos minoritários foram registados durante este período. Várias universidades e seus professores foram censuradas e os jornais tornaram-se alvo de ataques e ameaças de morte. O clima de desconfiança e violência foi muitas vezes incentivado pelo próprio Bolsonaro que tentava desacreditar a imprensa que o criticava, ameaçou prender quem se oponha a ele depois da sua vitória e até “matar” membros da esquerda.
“Ele diz isso mas eu acho impossível”, conta Hamilton, que passeia na Paulista. “Ele fala isso mas eu acho impossível que ele faça essas coisas. O que eu acredito é que ele vai trazer uma mudança e uma mudança boa. Ele vai mudar o Brasil”, diz.
Mas o país já estava mudado. A vitória de Bolsonaro demonstrou que o Brasil disse chega e que os brasileiros atingiram o limite à sua paciência. Não querem viver em medo do crime, nem ver o seu dinheiro no bolso de políticos corruptos. Viram em Jair Bolsonaro esse “Messias” e terão os próximos quatro anos para tirar a dúvida.
Entretanto só resta festejar. Na Avenida Paulista em São Paulo a festa continua pela madrugada dentro, entre fogo de artifício, música e dezenas de bandeiras amarelas e verdes ondulantes no céu noturno. O megafone do camião toca o hino do Brasil. As centenas de vozes unem-se em emoção, e por cima delas, apenas o ribombar dos foguetes que explodem em milhares de cores. Amanhã o Brasil será outro.