A cerca de três meses de terminar o ciclo como ministro da Educação, João Costa admite que pode vir a haver margem para a recuperação total do tempo de serviço dos docentes. Em entrevista à Renascença, em vésperas de eleições, João Costa - que é apoiante declarado de Pedro Nuno Santos à liderança do PS - espera que, com uma gestão "liderada por Pedro Nuno Santos enquanto primeiro-ministro", seja possível "dar resposta" à reivindicação dos docentes, que é "justa e legítima".
Depois de sucessivas greves de professores, o responsável pela pasta da Educação entende que a recuperação do tempo de serviço é uma questão de "vontade e de capacidade" e acredita que a contestação aumentou porque os docentes "sabiam que havia mais abertura para fazer coisas".
O alargamento do subsídio de renda a professores que não estejam deslocados na Grande Lisboa ou Algarve também foi tema nesta entrevista, mas João Costa afastou tal possibilidade, numa conversa em que também se falou sobre a utilização de telemóveis nas escolas, a integração de alunos estrangeiros e kits digitais.
Já se declarou apoiante de Pedro Nuno Santos na corrida à liderança do PS. Pedro Nuno Santos, por sua vez, já veio defender que os professores recuperem na íntegra o tempo de carreira, respondendo àquela que tem sido a principal reivindicação dos sindicatos. Acompanha Pedro Nuno Santos ou isto já é um piscar de olho aos docentes?
Eu disse sempre que a reivindicação dos professores é justa e legítima. Depois tivemos de a enquadrar na gestão dos Orçamentos de Estado que tivemos e ver em termos de exequibilidade aquilo que é possível. Se houver uma gestão, que espero venha a ser liderada por Pedro Nuno Santos enquanto primeiro-ministro, que, em termos de opções orçamentais, consiga dar resposta a isto - como ele diz na sua moção - no quadro de todas as carreiras da administração pública que têm tempo para recuperar, obviamente que fico muito contente e mais contentes ainda ficarão os professores.
Mas sendo as contas do país razoavelmente as mesmas, como é que pode haver cabimento para fazer essa recuperação quando, até agora, o argumento usado é o de que não há capacidade financeira?
Este ciclo político que tenho a honra de integrar desde o primeiro dia, em 2015, teve uma grande virtude que foi a devolução de rendimentos às pessoas, depois de anos de cortes muito grandes e que não tiveram todos - ao contrário do que se diz - que ver com o termos passado por uma situação de bancarrota ou com a intervenção da troika. Por exemplo, na educação foi-se muito, muito para além do que estava previsto no memorando de entendimento.
Tivemos cortes salariais, a supressão dos subsídios de férias e Natal, o corte nas pensões, etc. Tudo isso foram medidas das duas primeiras legislaturas, sobretudo logo na primeira em que conseguimos mostrar ao país que o diabo não vinha, ou seja, que as contas se mantinham equilibradas e que era possível fazer essa devolução de rendimentos.
É bom recuperar a memória, onde estávamos em 2015 e onde estamos hoje, quer em termos de subida do salário mínimo, salário médio... a descida [do número de] concidadãos nossos em situação de pobreza. Houve também um caminho de devolução de rendimentos na administração pública, em todas as carreiras. Este é um caminho que pode ser continuado e penso que, lendo a moção estratégica e ouvindo as palavras de Pedro Nuno Santos, ele tem colocado muito o foco na questão salarial. Portanto, nessa perspetiva de ele ter uma visão para o país que aposta no robustecimento dos salários, em particular na administração pública, penso que a intenção dele é dar continuidade ao caminho que foi iniciado em 2015. Se a continuidade passar pela recuperação do tempo de serviço, melhor. Acho que ficamos todos satisfeitos.
Portanto, é uma questão de vontade…
É de vontade e de capacidade. Repare: para além de muitos imprevistos, tivemos também de chegar a muitas frentes. Tivemos de chegar não apenas à carreira dos professores. Tivemos de chegar a outras pessoas que trabalham nas escolas, "desprecarizar" muita gente. Houve uma prioridade, logo no início deste ciclo político, de devolução de rendimentos. Depois, uma prioridade, nesta legislatura em particular, de olhar para carreiras que tinham ficado mais para trás, as carreiras gerais, a carreira técnica superior, a carreira de assistentes operacionais, a carreira de assistentes técnicos... Essa foi a prioridade e houve muitas medidas feitas pela administração pública nesse sentido. Se conseguirmos ir mais além, ótimo.
Agora que está em final de mandato, não reconhece que faltou dar esse sinal de abertura, por exemplo, aos sindicatos?
Abertura não faltou. Acho que houve mais reuniões este ano entre sindicatos e Governo do que tenho memória, mesmo em governos que integrei. Tínhamos um programa de Governo que esteve sempre a ser cumprido, que dava prioridade a duas questões que se relacionam bastante com o tema da falta de professores, que foi reduzir a precariedade e redesenhar o mapa de Portugal para reduzir as distâncias de colocação. Tínhamos também como objetivo, também inscrito no programa do Governo, de criar melhores condições para os professores contratados.
Ainda assim, fomos além do que estava previsto no programa do Governo, fruto exatamente da nossa abertura e do que foi também a capacidade negocial dos sindicatos, e introduzimos um instrumento de aceleração das carreiras para os professores que as estiveram congeladas.
Portanto, houve sempre sinais e houve também um contexto em que a contestação aumentou. Mas não foi por não termos feito nada. Até posso ter uma interpretação, que é: houve mais contestação porque sabiam que havia mais abertura para fazer coisas.
Quanto à questão dos professores deslocados, no ano letivo passado houve o início do programa de alojamento acessível com três dezenas de apartamentos em Lisboa e no Algarve, as zonas do país onde se sente mais esta esta questão. Também foi aprovado o subsídio de renda. Este programa de alojamento acessível vai ser substituído pelo subsídio de renda?
Não, são dois caminhos que andam em paralelo, numa parceria muito feliz com a ministra da Habitação. Há, por um lado, todo o movimento, que é lento, de ter construção, apartamentos, alojamento disponível e com renda acessível. É lento porque, em muitos casos, tem de haver construção e a construção demora o tempo que demora.
O diagnóstico está bem traçado. As duas zonas onde tem sido mais difícil substituir professores são Lisboa e Vale do Tejo e Algarve.
O que fizemos nesta parceria com o Ministério da Habitação foi pegar no instrumento jurídico que existe de apoio à renda e fazer uma adaptação específica para os professores deslocados para estas duas regiões. Quando se calcula a taxa de esforço dos professores beneficiários deste apoio, em vez de se contar apenas o custo da renda, vai-se agregar o custo da renda que estão a pagar com os encargos que têm com a sua habitação permanente, seja encargos de crédito ao banco, seja porque também têm um arrendamento.
E esse mecanismo não tem viabilidade de ser alargado ao resto do país, como pedem os professores?
Os governos servem para resolver problemas e nós tínhamos – e temos – um problema bem identificado nestas duas regiões e, portanto, começámos exatamente por aqui. Para o ano, vamos ter - e vamos certamente deixá-lo bastante adiantado - um concurso de professores muito importante, em que vamos criar mais de 20 mil lugares de quadro para dar a possibilidade às pessoas de se fixarem e, se assim o entenderem, instalarem-se permanentemente nos lugares para onde vão trabalhar.
Às vezes passa-se a ideia de que o Ministério coloca professores arbitrariamente. Há mais pessoas no norte com qualificação do que no sul e há mais lugares no sul do que no Norte e é obrigação de quem administra garantir que os serviços são prestados.
Como é que se resolve esse desfasamento de mais qualificação no norte e mais pessoas a sul?
Aquilo que esperamos é que, com um novo diploma que aprovámos sobre formação inicial de professores, haja um compromisso das instituições de ensino superior, de Lisboa para baixo, de acelerarem a formação de professores e os cursos de formação inicial de professores. Por via daquele período em que houve menos procura dos cursos, houve um grande desmantelamento dessas formações a sul do país e uma preservação a norte. Portanto, aquilo que é mesmo muito importante – e já falámos com o Conselho de Reitores - é que haja, de facto, este reforço e esse investimento das instituições na capacidade formativa.
Voltemos ao aumento dos alunos estrangeiros nas escolas. A integração dos alunos estrangeiros estará em vista para ser mudada a fundo?
A última coisa que assinei enquanto secretário de Estado adjunto e da Educação foi um despacho que dá abertura para a alteração do funcionamento do Português de língua não materna e do acolhimento aos alunos estrangeiros que partiu exatamente do seguinte diagnóstico: um aluno chega, substitui o Português por Português língua não materna, mas depois vai ter Filosofia, História como se fosse falante nativo. Obviamente que isto não resulta. Portanto, o que este despacho - que foi publicado no início de 2022 - prevê é que possa haver períodos só de formação em língua, com uma integração muito parcial no currículo, sem prejuízo de haver atividades que são partilhadas com os outros alunos, porque o convívio também é uma grande fonte de aprendizagem da língua nestes contextos, mas exatamente para poder haver uma maior intensidade no ensino do Português como língua não materna antes da entrada no currículo.
O diagnóstico que fizemos este primeiro ano é que, na maior parte das escolas, isto não foi suficientemente explorado ou aproveitado. Portanto, aquilo que encomendei à Direção-Geral da Educação, e que será publicado brevemente, foi um roteiro de práticas de acolhimento de alunos estrangeiros e de formas de organização do currículo que permitam explorar e tirar o máximo partido disto e dar esta resposta mais eficaz aos alunos estrangeiros.
A ideia é que esse roteiro se possa implementar no próximo ano letivo?
Sim, sim. Esse seria o meu desejo.
O Ministério da Educação já pediu um parecer ao Conselho das Escolas sobre a utilização de telemóveis nas escolas. O parecer remete a decisão para a direção de cada agrupamento. Agora que o Ministério tem este documento qual é o próximo passo?
O parecer é muito claro: os diretores sugerem que não haja uma diretiva nacional e que se confie na liberdade das escolas para tomar as suas decisões. Acho ótimo que assim seja, mas pedi aos meus serviços para, ao mesmo tempo, pedirem alguns pareceres de peritos para fazerem chegar às escolas como recomendações do que é o bom uso da tecnologia, de contextos em que a deve ser mais restrito o uso.
Portanto, acatando esta recomendação, quero disponibilizar às escolas informação e alguns textos de apoio que estão a ser produzidos, porque ainda não há muita evidência científica consolidada sobre isto, para as escolas também poderem tomar as suas decisões de uma forma mais sustentada.
Sobre os kits digitais, foi recentemente notícia a indicação de que, a partir de 2024, só terão acesso à conectividade gratuita os alunos que beneficiem da ação social escolar. Para os restantes fica quase nada, porque as escolas são muito debilitadas, muitas delas sem Wi-Fi…
Isto acompanha uma medida do PRR que é a melhoria da Internet nas escolas. É uma medida que terá um impacto imenso, que está a avançar e que, ainda durante 2024, muitas escolas vão começar a sentir. Mas decorre também da avaliação que fizemos do que foram as taxas de adesão da ativação dos cartões. Aliás, houve um relatório do Tribunal de Contas sobre isso, porque nós, no fundo, estávamos a adquirir mais, muito mais do que precisávamos. Fizemos um estudo das taxas de ativação do perfil dos alunos que ativavam e, portanto, foi uma medida de boa gestão adequar aquilo que é disponibilizado ao que estava efetivamente a ser [usado].
Portanto, não considera que é um retrocesso daquilo que se quer do ensino Público de qualidade? Por exemplo, os manuais de escolares já eram gratuitos para alunos que beneficiavam da Ação Social Escolar. Depois, com o programa dos manuais reutilizados, acabou por abranger todos. A ligação à internet fez o mesmo caminho. Esta decisão não é um retrocesso?
Esta disponibilização dos kits conectividade ainda vem da pandemia, exatamente para os alunos poderem ter acesso onde quer que estivessem. Aquilo que vimos também, cruzando dados com quem estuda as áreas do digital, é que a Internet em casa é quase universal em Portugal, até um pouco independente dos rendimentos. Por isso foi mesmo uma avaliação da necessidade.
[Artigo atualizado às 07h55 de 5 de dezembro de 2023]