A secretária de Estado da Justiça de Portugal, Anabela Pedroso, informou esta quinta-feira, em Luanda, aos jornalistas angolanos, que o processo do ex-vice-Presidente da República de Angola, Manuel Vicente, já foi transferido para a Justiça angolana.
A governante, que segundo a comunicação social angolana está em Luanda "em visita de trabalho", não adiantou a data em que o processo foi entregue às autoridades de Luanda.
De acordo com a agência de notícias Angop, a governante portuguesa disse aos jornalistas angolanos que, na condição de membro do Governo, podia informar que o processo já transitou da Procuradoria-Geral da República portuguesa para Angola.
"Pelo que eu acabei de saber, a Procuradoria-Geral da República portuguesa já enviou o processo, naquilo que tinha que fazer, para Angola", anunciou a secretária de Estado, em declarações emitidas pela televisão angolana Zimbo. "[O processo] já seguiu, já está neste vosso país", vincou.
O envio do processo de Manuel Vicente seria uma das condições para a realização de uma visita a Angola do primeiro-ministro português, António Costa.
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu em maio enviar o processo que envolve o ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente para julgamento em Luanda, um caso que há vários meses estava a causar mal-estar entre os dois países.
A Casa Civil do Presidente da República de Angola anunciou a 11 de maio, em comunicado, que o chefe de Estado angolano, João Lourenço, transmitiu a vontade de reforçar a cooperação bilateral com Portugal na conversa telefónica que manteve no mesmo dia com o homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa.
Em comunicado enviado à agência Lusa, a Casa Civil referia que a conversa telefónica foi "aproveitada para se referirem à decisão tomada ontem pelo Tribunal da Relação de Lisboa", aludindo à transferência para Luanda do processo que envolve o ex-vice-Presidente da República.
Em janeiro, o Presidente angolano afirmou que as relações entre Portugal e Angola vão "depender muito" da resolução do processo de Manuel Vicente e classificou a atitude da Justiça portuguesa até então como "uma ofensa" para o seu país.
"Lamentavelmente [Portugal] não satisfez o nosso pedido, alegando que não confia na Justiça angolana. Nós consideramos isso uma ofensa, não aceitamos esse tipo de tratamento e por essa razão mantemos a nossa posição", enfatizou João Lourenço.
Para a defesa do ex-governante angolano, as questões relacionadas com Manuel Vicente deviam ser analisadas pela justiça angolana, apontando mecanismos previstos no Direito Internacional e nos Direitos internos em matéria de cooperação judiciária entre países da CPLP.
O TRL considerou a 10 de maio que a aplicação da lei da amnistia aos factos imputados ao ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, no processo Operação Fizz, "não põe em causa a boa administração da justiça".
Segundo a decisão, a que a agência Lusa teve acesso, a potencial aplicação pelas autoridades judiciárias de Angola da lei da amnistia aos factos imputados ao antigo governante "faria parte do funcionamento normal de um mecanismo do sistema jurídico angolano e não põe em causa a boa administração da justiça".
Além do argumento de que a boa administração da justiça "não se identifica sempre e necessariamente com a condenação e o cumprimento da pena", os juízes Cláudio Ximenes e Manuel Almeida Cabral entendem, por outro lado, que, caso haja condenação, também a reinserção social justifica a continuação do processo contra o ex-presidente da petrolífera Sonangol em Angola.
O TRL deu razão ao recurso da defesa determinando que o processo contra Manuel Vicente prossiga em Angola, num caso em que o Ministério Público português lhe imputou crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.
Na decisão, os juízes tiveram em conta a resposta do procurador-geral da República de Angola de que não haveria possibilidade de cumprir uma eventual carta rogatória para audição e constituição de arguido e que Manuel Vicente, depois de cessar funções como vice-Presidente, "só poderia ser julgado por crimes estranhos ao exercício das suas funções decorridos cinco anos sobre a data do termo do mandato".