Em Portugal não há político que não lamente a grande abstenção que se regista nas eleições. Claro que temos o efeito do recenseamento automático dos emigrantes (que passaram de 245 mil em 2014 para quase um milhão e meio nas últimas eleições) e, ainda, algum atraso na atualização dos cadernos eleitorais. Mesmo assim, há demasiados portugueses que se alheiam das eleições – não votam.
Um dos motivos desse alheamento – não o único, com certeza – está em que nós não sabemos ao certo em quem votamos. Há listas com muitos nomes, mas, uma vez fechada a votação, vários dos eleitos são substituídos por outros. O que sobretudo acontece (como desta vez aconteceu) com o partido vencedor, que leva para o governo numerosos deputados eleitos.
Há décadas que entre nós se defende uma reforma da lei eleitoral. A modalidade que parece reunir maior consenso seria eleger uma parte dos deputados em círculos uninominais, onde apenas é eleito quem obteve mais votos, e a outra parte num círculo nacional, onde seria respeitada a proporcionalidade. Mas a reforma é sempre adiada.
Os círculos uninominais elegem apenas o deputado mais votado. Os partidos não vencedores até podem ter muitos votos, mas não lhes servem de nada se não forem os primeiros. É o regime britânico, que os liberais-democratas pretenderam mudar no sentido da proporcionalidade, mas, em referendo, os britânicos decidiram manter o sistema dos círculos uninominais, que facilita a formação de maiorias parlamentares. E este regime também proporciona uma maior ligação entre os eleitores e o “seu” deputado.
Nas muitas propostas já apresentadas por cá, a injustiça dos círculos uninominais seria atenuada por um círculo nacional, onde reinaria a regra da proporcionalidade.
Ora o nosso presente regime eleitoral “viola de forma descarada qualquer conceito matemático de proporcionalidade”, segundo o prof. Nuno Garoupa. Mais de um milhão de votos não serviram para eleger deputados nas últimas eleições. Foram votos inúteis. Só que não há regimes eleitorais perfeitos, que não tenham qualquer ponto menos justo; mas uns são mais adequados do que outros.
Seja qual for a alternativa ao regime eleitoral vigente, ela é necessária. Claro que a mudança não interessa aos pequenos partidos, que perderão muito votos nos círculos uninominais, pois aí poucos desses partidos poderão ganhar. Mais importante, a reforma não interessa aos diretórios partidários, que não querem ficar privados do poder de escolher quem é e quem não é candidato. Foi acima de tudo por isso que o PS, contrariando o seu programa eleitoral, uma vez mais se escusou a mexer no assunto, alegando não querer prejudicar os pequenos partidos.