O embaixador José Júlio Pereira Gomes comunicou esta quarta-feira ao primeiro-ministro, António Costa, a sua indisponibilidade para aceitar o cargo de secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP).
"Importando salvaguardar a dignidade do cargo de secretário-geral do SIRP de toda e qualquer polémica, que naturalmente se repercutiria negativamente no exercício das suas funções, resolvi comunicar a S. Exa. o primeiro-ministro a minha indisponibilidade para aceitar o cargo para que me havia convidado, agradecendo-lhe a confiança em mim depositada", lê-se na carta esta quarta-feira enviada pelo antigo secretário de Estado a António Costa.
No mês passado, o primeiro-ministro convidou o embaixador Pereira Gomes para substituir o secretário-geral do SIRP em funções, Júlio Pereira, mas a eurodeputada socialista Ana Gomes levantou dúvidas sobre o perfil do embaixador para este cargo.
Ana Gomes referiu-se a episódios de 1999, após o referendo que levou à independência de Timor-Leste, quando Pereira Gomes dirigiu a "Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU", acusando-o de ter abandonado o território numa altura em que se registava um crescendo de violência por parte de milícias pró-indonésias – posição que foi depois corroborada pelos jornalistas Luciano Alvarez e José Vegar.
Na carta dirigida ao primeiro-ministro, divulgada esta quarta-feira pelo gabinete de António Cosa, José Júlio Pereira Gomes disse ter aceitado o convite formulado por pelo chefe do Governo para assumir o cargo de secretário-geral do SIRP por considerar ter "a obrigação de responder positivamente ao desafio de uma nova missão de serviço público".
"Foram, entretanto, suscitadas reservas à minha indigitação, em razão da forma como dirigi a Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU em Timor Leste (MOPTL) de 30 de Agosto de 1999. Em particular, o processo de retirada dos observadores portugueses", começa por referir o antigo secretário de Estado.
De acordo com José Júlio Pereira Gomes, a missão que dirigiu tinha, nos termos dos “Acordos de Nova Iorque”, como mandato único observar "todas as fases operacionais do processo de consulta", desde o planeamento operacional até à votação, inicialmente fixada para 8 de Agosto" e "não dispunha de qualquer capacidade de defesa própria e muito menos de defesa dos timorenses".
"Quando a consulta se conclui, a 4 de Setembro de 1999, data da publicação dos resultados, recebi elogios dos mais altos responsáveis políticos do país pela forma como a missão tinha sido realizada. O processo de retirada dos observadores portugueses vem a decorrer num contexto de violência generalizada, iniciada a 4 de Setembro de 1999, data em que a sede da missão é atacada e somos obrigados a buscar refúgio na UNAMET", justifica o embaixador.
Nestas circunstâncias, Pereira Gomes advoga então ter assumido a responsabilidade, que também faria parte do seu mandato, "de tudo fazer para trazer de volta, com vida, todos os observadores, cumprindo, de resto, aquilo que foi antecipadamente planeado com o Ministério dos Negócios Estrangeiros".
"Mantive por isso o plano normal de partidas e fiz sair a maioria dos observadores no dia 5 de Setembro de 1999, incluindo os cinco representantes partidários que integravam a missão. Depois da UNAMET ter decidido, a 8 de Setembro, uma evacuação geral, por considerar que o nível de risco para as nossas vidas tinha ultrapassado o limite do aceitável, recomendei ao Governo a evacuação dos últimos observadores, que se realiza a 10 de Setembro", sustenta ainda Pereira Gomes.
Perante um clima de total insegurança, o embaixador diz depois ter recebido do Governo "ordem para sair, que assim cumpria a obrigação que assumira com todos os observadores quando partimos para Timor-Leste".
"Tudo fazer para nos evacuar em caso de crise de segurança que colocasse em risco as nossas vidas", salienta, para a seguir citar em sua defesa o antigo chefe de Estado Timorense José Ramos Horta.
"Invocando ‘fontes do CNRT (Conselho Nacional da Resistência Timorense) no terreno', Ramos Horta afirmou que os observadores portugueses comportaram-se sempre com correcção, muita coragem e sacrifício, com a prudência e a distância necessárias ao estatuto de Portugal em todo um processo extremamente delicado, sem aventureirismo e protagonismo exagerado. Referindo-se especificamente a mim, Ramos Horta reconhece que estive ‘no olho do furacão' e que tive ‘uma tarefa hercúlea, ingrata, mas, ao mesmo tempo, generosa e com a recompensa moral de fazer parte de uma verdadeira epopeia'. E concluiu: Parabéns são devidos à missão no seu todo", aponta Pereira Gomes.
Em estilo de conclusão, o embaixador reitera a sua tese, citando Ramos Horta: "Cumpri a missão, tarefa hercúlea, ingrata, e estou de consciência tranquila".