O Ministério Público (MP) junto do Tribunal da Relação do Porto pediu esta quarta-feira pena suspensa para um juiz de Vila Nova de Famalicão pronunciado por violência doméstica sobre a ex-mulher.
"Ficou cabalmente demonstrado que o arguido [juiz] cometeu o crime de violência doméstica", disse o procurador nas alegações finais do processo.
Em devido tempo, o MP absteve-se de acusar o juiz, que só foi a julgamento após pronúncia, mas o procurador sublinhou que isso não o vincula.
Ainda segundo o magistrado do MP, os depoimentos das testemunhas de acusação foram "credíveis", ao contrário dos da maior parte das testemunhas de defesa e do próprio arguido.
Nas suas alegações, o procurador junto da Relação declarou ser “muito penoso e delicado” intervir num processo em que um juiz é levado à barra judicial, ademais que lhe é imputada violência doméstica - um crime punível com prisão entre um e cinco anos.
Também a advogada da queixosa e assistente no processo pediu a condenação do juiz a pena suspensa, mas insistiu sobretudo na sua condenação ao pagamento de indemnização à vítima no valor de 75 mil euros.
Para classificar a conduta do arguido, a advogada usou expressões como "terrorismo íntimo". Disse ainda que a mulher foi vítima de "'bullying' judicial".
Já a defesa do juiz Porfírio Vale defendeu a absolvição do juiz, rejeitando o alegado quadro de violência doméstica, sustentado pela queixosa e no despacho de pronúncia.
"Se não fosse juiz, não estaria aqui", afirmou o advogado, atribuindo à mulher o intuito de perseguir o arguido, prejudicando a sua carreira na magistratura, em oito queixas e duas participações.
"Vamos aqui atirar lama, pode ser que funcione", ironizou o advogado, nas suas longas alegações.
O MP tinha arquivado a queixa da mulher, mas a Relação do Porto e o Supremo Tribunal de Justiça determinaram que um coletivo de juízes julgasse o magistrado judicial, da primeira instância de Vila Nova de Famalicão, por alegadamente “atormentar” a ofendida através de conversas telefónicas, correios eletrónicos e centenas de mensagens de telemóvel (SMS), a partir de 2015, ano de oficialização do divórcio.
Para efeitos de julgamento de magistrados, um tribunal da Relação funciona como se fosse um tribunal de Comarca.
De acordo com a pronúncia, “resulta singela e indiciariamente que o arguido, a pretexto de resolver aspetos de regulação do poder parental e das partilhas”, procurou intimidar e controlar a ex-mulher, “comprometendo a sua autoestima” e ofendendo-a na sua honra e consideração.
Em resultado dessa conduta, acrescenta a pronúncia, a ex-mulher, veterinária de profissão, ficou “completamente desorientada, manietada e sem conseguir sequer trabalhar, mormente fazer cirurgias”.
Sublinha a pronúncia que a “reiteração, permanência, gravidade e intensidade” das condutas do arguido evidenciaram “um total desrespeito” pela dignidade da ex-mulher.
Porfírio Vale é acusado, designadamente, de ter dito à ex-mulher que “não iria ter contemplações” para com ela e que lhe iria “desgraçar a vida”.
No despacho de pronúncia salienta-se que Porfírio Vale apelidou a ex-mulher de “nulidade” e “atrasada mental”.
Numa posição reiterada em audiência, o arguido negou o teor dos telefonemas e, quanto às mensagens, alegou que elas foram “recortadas”, são “parciais” e aparecem “descontextualizadas e cronologicamente invertidas”.
O arguido e a ex-mulher estiveram casados durante 10 anos e têm um filho menor, tendo o divórcio ocorrido em finais de 2015.
Numa primeira fase, o MP arquivou a queixa por violência doméstica da ex-mulher, que se constituiu assistente e pediu abertura de instrução, tendo a Relação do Porto pronunciado o arguido.
A defesa do arguido recorreu, invocando nulidades e inconstitucionalidades do despacho de pronúncia, mas o Supremo julgou esse recurso improcedente, considerando que o caso devia ir mesmo a julgamento.
A leitura do acórdão do processo ficou marcada para 16 de setembro, às 14:00.