A Universidade Católica vai receber o Papa Francisco já na próxima semana. O que é que este encontro pode trazer à universidade e ao modo perspetiva o seu futuro?
É um momento único. A vinda do Papa representa para a universidade a possibilidade de reforçar a sua mensagem com uma missão que não é meramente científica e educativa, mas que é também de impacto social, que congrega uma visão do mundo muito particular, centrada nos valores da equidade, da integração, da defesa da dignidade da pessoa.
Não há quem melhor represente estes valores do que o Papa Francisco, para além de ser naturalmente o grande líder religioso da fé que partilhamos. Enquanto missão da universidade, ele corporiza a forma como pensamos que o ensino superior se deve postular, enquanto motor de desenvolvimento das sociedades.
Estarão presentes cerca de sete mil pessoas no encontro com o Papa, na Universidade Católica. O que é que está exatamente previsto para este momento?
É um encontro com jovens universitários de todas as universidades portuguesas. O convite é feito a todos. Vamos ter jovens de norte a sul do país e de outros países que estão a participar na jornada. É um evento aberto, onde participam também professores, investigadores, todos aqueles que fazem parte da comunidade académica.
Para além do discurso do Papa sobre o sentido da universidade – temos grande expectativa relativamente àquilo que o Papa nos vai dizer –, vamos ter também quatro testemunhos de estudantes da universidade. Três deles vão incidir sobre duas encíclicas e sobre um dos grandes projetos do Papa Francisco, O Pacto Educativo Global, e o sentido que tem para os jovens e para a forma como se sentem interpelados pelo alargamento do acesso a uma educação mais inclusiva, mais vocacionada para reconhecer aquilo são as valências dos saberes comuns.
Por exemplo, o modelo "Scholas Occurrentes", que o Papa vai visitar em Cascais, assenta também na perspetiva de um ensino não massificado, mais adequada à singularidade do jovem, valorizando também aquilo que são os saberes comuns. Depois teremos dois estudantes, um deles que vai falar sobre ecologia integral, a partir da encíclica Laudato Si, e outro ainda que vai falar sobre a ideia de amizade social e de fraternidade, a partir da encíclica Fratelli Tutti.
Aquilo que vamos ouvir na Católica é a voz dos jovens.
Estes três jovens são portugueses?
Sim, um da Católica de Lisboa, um da de Braga e outro do Porto. São representantes dos diversos campus. Depois, vamos ter um testemunho de uma jovem iraniana, nossa aluna de Medicina Dentária, em Viseu, que está na Católica ao abrigo de um fundo para refugiados e migrantes que a universidade criou em 2017.
O Fundo Papa Francisco já acolheu até hoje mais de 30 jovens em situação de emergência. Temos sírios, afegãos, ucranianos, russos, iranianos. Esta jovem estudante de Medicina Dentária vai dar o seu testemunho do que representou essa travessia e do que representa o acolhimento em Portugal. No final, o Papa vai encontrar-se com todos os estudantes apoiados pelo Fundo Papa Francisco, jovens que na sua maioria, diria 90%, não são cristãos.
Quantos são?
Nós não temos a certeza ainda do número exato, mas foram convidados 25. São todos refugiados.
Que percurso têm feito estes jovens em Portugal?
O que fazemos é integrá-los nos cursos que oferecemos na universidade. Temos estudantes de ciência política, ciências da comunicação, medicina dentária, medicina, [estudantes] que frequentam toda uma panóplia de cursos na instituição. Tem sido um projeto de enorme sucesso, porque são estudantes que têm um acompanhamento particular dos nossos gabinetes de responsabilidade social.
Vou dar o exemplo de duas alunas que vieram da Síria, que também foram estudar medicina dentária, para a Católica, em Viseu. Foram provavelmente as primeiras jovens com véu, numa cidade onde não era comum haver muçulmanos. Frequentaram o curso durante cinco anos. Terminaram o ano passado. Não foi um processo de aprendizagem apenas de crescimento intelectual e profissional, mas de integração na comunidade. [Elas] sentem-se em Viseu, como se estivessem na Síria, na sua terra de origem. Estão, neste momento, a trabalhar em duas clínicas dentárias da cidade. Consideram Portugal o seu país. Falam português como nós. Em cinco anos aprenderam a língua, os costumes, as práticas alimentares. Tiveram um acompanhamento notável. O caso destas duas irmãs é um dos melhores exemplos de integração e de contributo para o País.
Que expectativas pode ter o Papa para este encontro?
Só ele pode saber, mas uma das coisas que podemos pensar que o Papa pode desejar é que a sua experiência possa inspirar os jovens a acreditarem que a mudança é possível, que alterar as suas condições de vida é possível, que contribuir para um mundo mais equitativo é possível, um mundo mais sustentável em termos ambientais e económicos, em que cada um deles pode fazer diferença.
O Papa fala muitas vezes da ideia de protagonismo e da necessidade de dar voz aos jovens. Isso é fundamental. Aquilo que vamos ouvir na Católica é a voz dos jovens. É um Papa que nos toca com a sua mensagem, a sua experiência e o seu afeto, porque se interessa verdadeiramente pelo outro que está à frente. Os jovens sentem isso. Sentem que lhes fala pessoalmente. Por outro lado, há este sentido de acreditar, de dar confiança, de que a fragilidade de sermos um faz a diferença no mundo que queremos construir, o que é muita a mensagem cristã.
O encontro vai também contar com a presença de personalidades, nacionais e internacionais, do mundo académico, artístico, da sociedade civil e da igreja católica. Pode adiantar quem serão algumas delas?
Vamos ter representação política, o Presidente da República, os ministros, os reitores das universidades, naturalmente as autoridades eclesiásticas, e os académicos. Uma das pessoas que vamos ter é a responsável do Vaticano para as universidades, que é uma jurista, a professora Antonella Sciarone, subsecretária do prefeito, o cardeal José Tolentino Mendonça. Ela vai ter uma intervenção na UCP no âmbito daquelas iniciativas paralelas à jornada. Vamos ter entre dia 1 e dia 4 um conjunto de iniciativas dedicadas ao Pacto Educativo Global, à encíclica Laudato Si e à Fratelli Tutti. É a Casa da Economia de Francisco.
São conferências?
Conferências e debates. No fundo, há uma conferência de partida, mas é um espaço dialogado para os jovens proporem novas iniciativas de transformação. Já na segunda-feira, haverá um congresso sobre o valor da criação e a Laudato Si, organizado pela Fundação João Paulo II.
O que é que pensa que a JMJ pode deixar à Igreja em Portugal e à Universidade Católica?
Pode deixar autenticidade, energia e alegria, três valores absolutamente essenciais. A jornada é uma proposta de acolhimento, um espaço de partilha, de ligação, de entendimento de culturas distintas, um espaço de autenticidade. Só faz sentido se as pessoas estiverem todas [inteiras] nesta semana.
Qualquer trabalho de desenvolvimento societal tem que ser feito e exercido com energia, com sentido de missão e com alegria, com sentido de reconhecimento de que aquilo que nos move enquanto investigadores não é o desenvolvimento de uma ciência virada para si, de uma universidade murada, com silos. Acho que esta jornada traz à universidade esta mensagem de um espaço de saber aberto ao mundo, onde todos são bem-vindos e onde estamos continuamente a aprender.