Começaram por ser sete arguidos, mas esta quinta-feira foram conhecidos mais dois na “operação Influencer”, a investigação que levou António Costa a pedir a sua demissão do cargo de primeiro-ministro.
António Costa não é arguido, disse-o claramente no dia em que anunciou a sua saída. Para já, é somente alvo de inquérito por parte do Supremo Tribunal de Justiça.
Costa não é, mas há oito pessoas e uma empresa que são arguidas. Os mais recentes nesta lista são João Tiago Silveira e a empresa “Start Campus”.
João Tiago Silveira confirmou esta quinta-feira à Renascença que é arguido. Este advogado e antigo secretário de Estado da Justiça, num dos governos liderado por José Sócrates, é também sócio do gabinete de advocacia Morais Leitão, o mesmo gabinete a que pertence outro dos arguidos, Rui de Oliveira Neves.
O outro mais recente arguido é a empresa “Start Campus”. O seu estatuto de arguido foi conhecido esta quinta-feira, uma condição confirmada pela Lusa, que teve acesso ao despacho.
A empresa foi criada em 2020 e apresenta-se, no seu site, como sendo uma “empresa inovadora no processo de seleção de local, design e construção de ecossistemas 100% verdes”. É a empresa responsável pelo projeto de instalação de um “data center” em Sines, megacentro de armazenamento de dados informáticos que envolve um investimento que poderá chegar a 3,5 mil milhões de euros.
O projeto de armazenamento de dados em Sines, classificado pelo Governo como o "maior investimento estrangeiro desde Autoeuropa”, aparece no centro da investigação do Ministério Público que levou à detenção na terça-feira de dois administradores desta sociedade (Afonso Salema e Rui Neves), de Vítor Escária, Diogo Lacerda Machado e Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines.
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) revelou esta semana que está a investigar vários negócios, direta ou indiretamente, ligados às energias renováveis: as concessões de exploração de lítio nas minas em Montalegre e em Boticas, um projeto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines e ainda a construção pela Start Campos de um ‘data center’ na Zona Industrial e Logística de Sines.
Destas três linhas de investigação, apenas a relativa à Start Campus consta no despacho de indiciação dos arguidos detidos esta semana.
Quem está detido?
Dos sete arguidos inicialmente conhecidos, cinco estão detidos e devem ser ouvidos esta quinta-feira à tarde.
Um deles é o agora ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro é Vítor Escária, 52 anos. Foi nomeado chefe de gabinete de António Costa em agosto de 2020 e exonerado esta quinta-feira. Antes da nomeação para chefe de gabinete já trabalhava na esfera mais próxima de António Costa, dado que entre 2015 e 2019 foi assessor económico, cargo que já tinha desempenhado entre 2005 e 2011, quando José Sócrates era primeiro-ministro.
Também o presidente da Câmara de Sines é Nuno Mascarenhas, cargo que exerce há 10 anos está nesta lista. Nuno Mascarenhas está a meio do seu terceiro mandato, sempre eleito pelo Partido Socialista. Antes foi chefe de divisão na administração do Porto de Sines, entre 2005 e 2013. Nuno Mascarenhas tem 56 anos, é licenciado em Economia e chegou a ser professor de Matemática e Economia.
Os restantes três detidos estão ligados à empresa “Start Campus”. Fonte ligada à empresa confirma à Renascença que se trata do presidente executivo Afonso Salema e do diretor jurídico e de sustentabilidade Rui Oliveira Neves. Quanto ao advogado/consultor contratado pela sociedade, será Diogo Lacerda Machado.
Diogo Lacerda Machado é amigo pessoal de António Costa, tendo sido inclusivamente seu padrinho de casamento. Advogado, Lacerda Machado já foi secretário de Estado da Justiça, entre 1999 e 2002, quando António Costa foi ministro da Justiça, no governo liderado por António Guterres.
Nos últimos anos, Lacerda Machado tem acompanhado de forma próxima a governação de Costa, tendo chegado a representar informalmente o primeiro-ministro em várias negociações sensíveis, nomeadamente dossiers relacionados com a TAP, no caso dos lesados do papel comercial do Grupo Espírito Santo e também no BPI, nas reuniões entre Isabel dos Santos e o catalão CaixaBank.
Afonso Salema, engenheiro industrial formado pelo Instituto Superior Técnico, está há dois na presidência executiva da sociedade “Start Campus”. Antes de chegar à liderança desta sociedade teve várias experiências internacionais em Londres, Nova Iorque e Madrid, sempre na área das energias renováveis, energia e infraestruturas. Afonso Salema chegou a passar pela EDP entre 2009 e 2011.
Rui de Oliveira Neves é advogado, licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Na “Start Campus” é Diretor Jurídico e de Sustentabilidade, cargo que ocupa enquanto é, também, um dos sócios do gabinete de advocacia de Morais Leitão, Rui de Oliveira Neves regressou a este gabinete de advogados onde já tinha estado antes de 2013. Entre 2013 e 2021, Neves chegou a desempenhar funções de gestão na Galp.
Além dos cinco arguidos detidos e dos cinco arguidos conhecidos esta quinta-feira, há neste processo mais dois arguidos.
Uma deles é João Galamba. Nomeado ministro das Infraestruturas em janeiro de 2023, Galamba já tinha sido secretário de Estado do Ambiente e da Energia no anterior Governo, além de secretário de Estado Adjunto e da Energia e secretário de Estado da Energia em governos anteriores, desde 2019.
Antes, foi deputado do PS, de 2009 a 2019, tendo sido vice-presidente do grupo parlamentar socialista. Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, concluiu a parte letiva do Doutoramento em Ciência Política na London School of Economics, tendo lecionado Filosofia Política no departamento de Government.
A terminar, também é arguido Nuno Lacasta é presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente desde 2012.
É licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), tem um mestrado pelo Washington College of Law da American University e o Advanced Management Program da Kellogg Business School/Católica Business School.
O que visa este processo?
Sob investigação estão as concessões de exploração de lítio de Montalegre e de Boticas, no distrito de Vila Real, um projeto de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e o projeto de construção de um ‘data center’ (centro de dados) na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.
Que crimes estão em causa?
Em causa estão os crimes de prevaricação, corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência.
Quais os motivos das detenções?
A Procuradoria-Geral da República (PGR) justifica as detenções com “o perigo de fuga, de continuação de atividade criminosa, de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas”.
Qual a ligação do primeiro-ministro?
António Costa é alvo de uma investigação autónoma do Ministério Público (MP) junto do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)
A PGR refere que, durante as investigações, surgiu “o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos” nos negócios investigados.
Porque a função de primeiro-ministro goza de foro especial, um inquérito só poderá decorrer no Ministério Público junto de um tribunal superior, daí a intervenção do STJ.
Quem investigou o caso?
A investigação foi coordenada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e contou com o apoio da Polícia de Segurança Pública (PSP) e Autoridade Tributária (AT).
Quantas buscas houve e onde?
As buscas foram feitas na terça-feira e foram realizadas pelo menos 42, incluindo 17 buscas domiciliárias, cinco buscas em escritório e domicílio de advogado e 20 buscas não domiciliárias, nomeadamente, em espaços utilizados pelo chefe do gabinete do primeiro-ministro; no Ministério do Ambiente e da Ação Climática; no Ministério das Infraestruturas e na Secretaria de Estado da Energia e Clima; na Câmara Municipal de Sines e na sede de outras entidades públicas e de empresas.
[atualizado às 19h16]