A confirmarem-se, como é provável, as revelações do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação sobre o império financeiro e empresarial de Isabel dos Santos, a única surpresa possível é a enorme dimensão internacional desse império.
O pai de Isabel dos Santos, José Eduardo dos Santos, foi durante 38 anos presidente todo-poderoso de Angola. Para manter calmos amigos e adversários, J. E. Santos distribuiu muito dinheiro por eles. E não esqueceu a família. Dinheiro do Estado angolano, claro, num país onde a pobreza ainda é altíssima. Surpreendente é que J. E. Santos não tenha prevenido e acautelado o seu futuro e o da sua família, como fizeram tantos outros ditadores cleptocratas. E pareça estar hoje inteiramente à mercê de um seu antigo ministro, o atual presidente de Angola João Lourenço.
Isabel dos Santos e a sua família não são populares entre o povo angolano. Ser a mulher mais rica de África, pelo menos até há pouco, não alimenta os que em Angola passam fome e suscita inúmeras invejas. Por isso a campanha contra a corrupção lançada por J. Lourenço rende votos.
Por cá, reina a indignação retrospetiva por Isabel dos Santos ter sido ao longo dos anos, em geral, recebida com simpatia em Portugal. Ninguém ignorava a origem do dinheiro dela, mas a bem conhecida complacência nacional com a corrupção (veja-se o PS) recomendava não levantar problemas – e aproveitar o dinheiro da senhora, por vezes até para finalidades louváveis.
Estranha-se que entidades como os reguladores (Banco de Portugal e CMVM) e empresas internacionais, como a PricewaterhouseCoopers (PwC) e o Boston Consulting Group ou até o banco EuroBic, no qual Isabel dos Santos possui 42,5% do capital, não tenham reparado em nada. O EuroBic decidiu agora não ter mais relações comerciais com a sua acionista de referência e empresas por ela controladas, o que é patético.
Isabel dos Santos e o seu marido foram banidos do Forum de Davos. E, por cá, empresas onde a filha do ex-presidente de Angola detém participações significativas, como a Efacec, a Nos e a Galp, poderão ter alguns problemas. Mas nada de dramático.
Quanto a investigações criminais, julgo ter sido sensato esperar que da justiça angolana partisse o desencadear do processo sobre a alegada transferência de cem milhões de euros para o Dubai. Aliás, houve investigações do Ministério Público português a vários casos relacionados com Isabel dos Santos nos últimos oito anos – mas nenhum arguido foi constituído.
O Ministério Público não abriu qualquer inquérito na sequência das notícias divulgadas pelo Luanda Leaks. Mas, em declaração escrita dirigida ao jornal “Público”, a Procuradoria-Geral da República afirma que não deixará de analisar toda a informação que tem vindo a lume e de desencadear os procedimentos adequados no âmbito das suas atribuições. O Ministério Público realça que “mantém uma estreita colaboração com a sua congénere angolana”, referindo que “dará seguimento aos pedidos de cooperação judiciária internacional que lhe sejam dirigidos”.
Não é nada provável, assim, que as relações entre o Estado português e o Estado angolano sejam prejudicadas por este escândalo. Pelo contrário.