Na recta final da campanha para o referendo à permanência do Reino Unido na União Europeia, a morte da deputada trabalhista Jo Cox suspendeu as acções de apelo ao voto num debate que está a dividir os britânicos. Os comentadores do programa "Fora da Caixa" sublinham a importância que alguns factos podem ter na decisão final no referendo de quinta-feira.
"Tivemos uma campanha muito emocional. A questão sobre a morte da deputada trabalhista é pertinente, mas não tem uma resposta clara. Numa campanha referendária, em que as emoções estão ao rubro, qualquer acontecimento, mesmo que não tendo nada a ver com o referendo, pode ter alguma influência. Que influência? Ninguém consegue verdadeiramente antecipar", afirma o antigo comissário europeu António Vitorino.
Da mesma forma, Pedro Santana Lopes confessa não conseguir medir o impacto da notícia da morte da deputada trabalhista no resultado final do referendo: “Neste momento tudo pode ter impacto”, diz o antigo Primeiro-ministro, que observa uma tensão crescente com um cerrar de fileiras dos partidários de ambas as plataformas. Santana Lopes está convencido que as ondas de choque deste debate chegam aos distúrbios dos adeptos ingleses no Euro: “Estou convencido que não os expulsam, porque se expulsam a Inglaterra e os adeptos ingleses, tudo isso pode ter consequências”, acrescenta Santana.
Más campanhas
Em jeito de balanço, António Vitorino critica a qualidade dos argumentos usados em campanha neste referendo: “Ambos os campos fizeram péssimas campanhas”. Dos dois lados, fizeram campanha negativas, pelo medo. O medo do salto no escuro no caso da saída foi o grande argumento dos que pretendem a permanência. Aqueles que querem a saída disseram que seria um pavor [a entrada] de milhões de europeus que queriam ir viver para o Reino Unido se continuasse na União Europeia”, analisa o antigo ministro do PS.
A incerteza é total, afirmam os comentadores. António Vitorino sugere que se peça um prognóstico aos que apostaram na vitória do Leicester na Primeira Liga inglesa. Santana Lopes mostra-se convencido que “à última hora poderão afluir às urnas eleitores que dêem a vitória à permanência e que ainda estão indecisos”.
A infelicidade de Juncker
Neste programa, os comentadores do “Fora da Caixa” analisaram ainda a polémica afirmação do presidente da Comissão Europeia que justificou a tolerância face ao incumprimento orçamental de França “porque é a França”.
“O senhor Juncker, de vez em quando, diz umas coisas que as pessoas não percebem bem. Essa frase não devia ter sido proferida. Foi dita. Agora há que deixar passar tempo para reparar os estragos, afirma Pedro Santana Lopes.
Para António Vitorino, Juncker porventura estará já arrependido da infeliz frase. “Mas é uma evidência: a França tem beneficiado de um estatuto de grande tolerância por parte da Comissão Europeia, mas também por parte do Eurogrupo. Se alguém está aqui em xeque é quem depois vem mostrar indignação, o senhor Dijsselbloem, quando na realidade nada pode ser feito em favor da França sem o voto dele”, acrescenta o antigo comissário europeu.
A surpresa no Eurogrupo
Santana Lopes observa que o presidente do Eurogrupo “anda muito impaciente”, mas admite que “a Comissão e o Eurogrupo vão ter que estar unidos nas alturas essenciais”. Já o antigo ministro do PS assinala a natureza “perversa” de um sistema que fixa metas que acabam por ser irrealistas e não cumpridas. O antigo comissário europeu diz que “está por provar que seja apenas por natureza relapsa do governo francês”, argumentando com o crescimento lento da economia europeia.
“Provavelmente certas medidas mais drásticas que são defendidas pelos holandeses ou alemães não ajudarão a economia a consolidar essa recuperação débil em que estamos. Provavelmente o sistema, ele próprio, também teria que meter, ele próprio, a mão na consciência e dizer ‘não estaremos nós a criar as condições para depois sermos desautorizados’?”, questiona Vitorino.
A dança das sanções
O antigo comissário europeu interpreta as declarações do presidente do Eurogrupo como uma forma de pressionar a Comissão Europeia a aplicar sanções. No entanto, acrescenta Vitorino, a natureza ilógica do sistema divide o próprio executivo comunitário. “Mesmo algumas pessoas insuspeitas não podem deixar de reconhecer que se um pais está com dificuldade de ajustamento das contas públicas e lhe aplicam sanções, torna-se ainda mais grave a situação e fica mais distante do objectivo do ajustamento das contas públicas”, afirma o comentador da Renascença.
Já Pedro Santana Lopes afirma que “parece menos distante” a possibilidade de aplicação de sanções. “À medida que os dias passam, todos sentimos a possibilidade de sanções que aqui há uma semana ou duas parecia afastada. Não é por causa da frase do senhor Juncker mas pela 'conjugação de astros' que se vão juntando”, remata o antigo Primeiro-ministro.