​Pagar mais para adiar casamentos. A angústia dos noivos e das empresas
22-05-2020 - 18:54
 • Pedro Filipe Silva

Setor dos casamentos está completamente parado devido à pandemia de Covid-19. Empresas de eventos esperam por regras do Governo e muitas dizem que a solução é pedir mais pelos adiamentos.

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Ana Camponês e David Agostinho estão noivos desde dezembro de 2019. Desde aí que sonhavam com o dia do seu casamento, marcado para 16 de maio deste ano. A pandemia de Covid-19 não estava nos planos.

“Fomos apercebendo aos poucos a dimensão do problema. Em março tínhamos os cursos de preparação para o matrimónio. Na semana antes de acontecer o CPM cancelaram, um pouco por pressão dos noivos. Foi aí que a situação em Portugal começou a piorar”, diz Ana que conta que tudo teve de ficar adiado. “Pensámos que em maio as coisas podiam já estar resolvidas, mas vimos que não. Faltavam só dois meses e não quisemos estar a prolongar uma situação que implicava tanta coisa", explica a noiva.

"Tínhamos que adiar quinta, todos os fornecedores, conseguir conciliar tudo. Preferimos fazer com alguma antecedência, mesmo que nos dissessem que em maio já podia dar. Pensámos logo nas alternativas, não quisemos perder tempo com lamentações. Não é uma situação que está no nosso controlo, aceitámos e arregaçámos as mangas”, acrescentou.

Depois da decisão tomada, o casal da zona de Leira teve de ver alternativas com a quinta a quem já tinha adiantado um sinal. “Eles disseram que para não perdermos esses 30% tínhamos de fazer este ano ou podiam facilitar e remarcar para o primeiro trimestre de 2021, porque para eles a faturação era uma questão complicada". O casal recebeu as datas que o local ainda tinha livres. "Sábados já não havia, tivemos de optar por uma sexta-feira ou domingo. Pensámos então no final do verão, mas claro que sem certezas. Só em junho ou julho é que vamos conseguir perceber se vai ser possível acontecer ou se vamos ter de adiar novamente”, conta Ana Camponês e David Agostinho que adiaram o casamento para setembro deste ano.

Também Marina Lourenço e Carlos Santos tinham o casamento marcado para 16 de maio e foram, como todos, apanhados de surpresa. “A senhora da quinta é que nos alertou para esta situação. Disse-nos que era melhor pensarmos noutra data, remarcarmos para outro dia, mas nunca pensámos que ia ser assim. Vimos depois que também não seria possível casar na Igreja, porque as igrejas estavam fechadas e optámos por adiar”, explicam.

Estes noivos da zona de Alenquer contam que estava praticamente tudo pronto. “Quando decidimos adiar faltava as alianças, pagar o resto do valor da quinta, aos músicos. De resto estava tudo pago, os convites estavam todos entregues, íamos começar a marcar as mesas. Nesse momento ficámos de mãos e pés atados. Voltámos a ligar a toda a gente a dizer que será no próximo ano”, dizem.

A questão do adiamento foi também um problema para estes noivos. “Em maio para casar a um sábado tínhamos de pagar um valor extra e nós estávamos disponíveis para isso. Eram perto de 1.600/1.800 euros para casar a um sábado. Ou seja, se casássemos a uma sexta ou a um domingo não ia ter impacto nenhum. Nós não queríamos. Escolhemos um sábado, queremos um sábado. Optámos por casar em agosto do próximo ano por não ter nenhum custo associado.”

De acordo com um estudo realizado pelo portal casamentos.pt, com mais de 500 noivos que tinham o casamento inicialmente marcado entre março e agosto, 76% decidiram reagendar o evento, 19% não realizou modificações nos planos e 5% cancelou o casamento. Metade dos casais que adiou o evento mantém a data para este ano, na esperança de comemorar o dia no final do verão, outono ou inverno.

Empresas esperam por regras

Nuno Gonçalves é um dos responsáveis pelo Grupo Marquês da Serra, com duas quintas, uma em Alverca, outra em Vila Franca de Xira. Nuno confirma que atualizar os preços de 2021 para os noivos que iriam casar em 2020 é a única solução. “Empresarialmente não temos grandes hipóteses. Esta é uma situação que vai gerar perdas e se não for desta forma as perdas são exclusivamente das empresas”, explica.

O responsável sublinha ainda que “os noivos não têm culpa, é um facto, mas nós também não temos culpa desta situação. Quem devia apoiar as empresas e informá-las devidamente não o está a fazer”. Nuno Gonçalves diz ainda que todos foram apanhados de surpresa. “Foram os noivos e fomos nós. Se 100% dos casamentos não se puderem realizar, nós vamos estar um ano com a faturação reduzida a zero. Eu não acredito na subsistência das empresas neste caso. Não existe timing para quando a atividade retome.”

Amália Veloso, conhecida por Milá Veloso no “mundo dos casamentos” é gerente da Pateo Velho, uma empresa de catering que trabalha com sete quintas na zona oeste, a maior parte em regime de exclusividade.

Para este ano a perspetiva era realizar 150 a 200 casamentos nestes espaços. Muitos já foram cancelados. “Tenho alguns marcados para julho, agosto, setembro e por adiante.”

Milá Veloso acrescenta que há várias soluções apresentadas aos noivos. “Nós ao transitarmos os nossos casamentos todos de 2020 para 2021, ficamos com o ano a zero. Se nós nos ajudarmos todos um pouco, as coisas minimizam. As quintas de uma maneira geral apresentam soluções. Algumas até podem ser mais baratas. Se adiarem o casamento para uma quinta ou quarta-feira têm um desconto, não há agravamento de menus.”

Milá Veloso recebe quase diariamente telefonemas de noivos a quererem reagendar ou a pedir uma simples opinião. “Isto para os noivos não é fácil. As pessoas têm uma expectativa pelo dia, têm toda uma organização e preparação. É um dia de sonho e não é fácil. Quando começamos a olhar para tudo o que está em nosso redor, há uma percentagem de noivos que ao analisar tudo isto lhes dá um pouco de calma para conseguir resolver”, sublinha a proprietária, que deixa ainda uma mensagem de esperança. “Há uma possibilidade de casar mais para a frente, de realizar esse sonho. O mundo não vai acabar. Eu acho que nos cabe a nós, organizadores de eventos, passar um pouco esta mensagem. Não vale a pena lançar o pânico. Se esperarmos um pouco vamos conseguir realizar e estar todos juntos para que as festas sejam fantásticas.”

A incerteza não é só dos noivos, diz Milá. As empresas também precisam de respostas. “Fala-se muito na restauração, fala-se muito de hotéis e do turismo, mas esta parte dos eventos e dos casamentos está um pouco esquecida. Neste momento estamos praticamente a zeros, não sabemos muito bem o que vai acontecer, quais são as limitações em termos de pessoas, quais são as regras do jogo", diz.

"Acho que era preciso clarificar o mais depressa possível que eventos é que se podem realizar e os princípios e as regras base para os meus eventos. Se podem estar 50 pessoas, se podem estar 100 pessoas. Isso é importante porque estamos aqui a empurrar. Diariamente temos os noivos a ligarem-nos, querem uma opinião e nós ficamos sem dar resposta. Sabemos quase tanto como eles”, diz a responsável.

Respostas é o que pede também Nuno Gonçalves do Grupo Marquês da Serra. “Há muito incerteza porque não há informação nenhuma. Isto é desconhecido para os noivos, para nós, para os políticos, no entanto não há nenhuma informação concreta que chega a nós.”

A pandemia de Covid-19 afetou em força a indústria dos casamentos. Segundo a BestEvents, este é um setor que todos anos movimenta mais de quatro mil milhões de euros.