Devoto de Fátima, génio da informática e exemplo para os adolescentes. Quem é Carlo Acutis?
06-10-2020 - 14:34
 • Filipe d'Avillez

Carlo Acutis morreu há 14 anos e vai ser beatificado graças a um milagre registado no Brasil. Foi dado como exemplo pelo Papa Francisco na sua exortação pós-sinodal “Christus Vivit”. Será beatificado em Assis no próximo sábado.

É já no próximo sábado que a Igreja declara beato o jovem Carlo Acutis, que morreu em 2016 de leucemia fulminante. O anúncio está a aumentar o interesse mundial pelo rapaz em quem conviviam uma grande devoção a Cristo e um estilo de vida normal para um adolescente, com um particular interesse pela informática. Era conhecido tanto pelo portátil que sempre o acompanhava, como pelo terço.

Carlo Acutis nasceu em Londres, mas pouco depois os pais, italianos, voltaram para o seu país de origem e ele cresceu em Milão.

A devoção religiosa manifestou-se cedo. Depois de ter feito a sua primeira comunhão, aos 7 anos de idade, passou a ir à missa sempre que podia e a dedicar algum tempo à adoração eucarística.

Da adoração eucarística nasceu um interesse profundo pelos milagres eucarísticos, cujos casos começou a documentar aos 11 anos. Os milagres eucarísticos são casos em que a hóstia consagrada ou o vinho se transformam fisicamente em carne ou sangue. Com os seus conhecimentos de programação e tecnologia, que amigos informáticos dos pais descreviam como geniais, transformou essa sua investigação num site e tinha o objetivo de visitar os locais dos milagres, mas a doença de que viria a sofrer, e que o matou, não o permitiu.

O site, que documenta cerca de 150 milagres, foi entretanto transformado numa exposição itinerante.

Acutis era ainda devoto de Fátima, que visitou durante uma viagem a Portugal, em particular dos pastorinhos Francisco e Jacinta, mas o santo da sua predileção era São Francisco de Assis, ao ponto de ter pedido para ser sepultado naquela cidade, o que foi honrado pelos seus pais.

Ainda hoje os seus pais não sabem explicar de onde vinha esta devoção. Tinham-no batizado em criança, mas não praticavam a fé em família nem lhe falavam de assuntos religiosos. Já depois da sua morte a sua mãe, Antonia, admitiu que ele foi para ela “um pequeno salvador” uma vez que as suas perguntas insistentes sobre Jesus, a que ela não sabia responder, a levaram a fazer formações em teologia e a mergulhar na sua própria fé.

Apontar para o infinito

Segundo os seus colegas da escola, Carlo era um rapaz simpático e que se dava bem com todos, mas que nunca deixava de defender os mais vulneráveis, nomeadamente os colegas com algum tipo de deficiência, que eram vítimas de bullying pelas suas diferenças. Estava ainda sempre disposto a ajudar quem precisasse de explicações, tanto colegas como idosos, no ramo da sua especialidade, os computadores.

“O nosso objetivo deve ser o infinito e não o finito”, dizia, “o infinito é a nossa pátria”. Este destino alcança-se mantendo Deus como centro da vida e procurando força nos sacramentos e na oração, defendia.

Aos 15 anos, suspeitando de uma gripe forte foi ao médico e foi diagnosticado com leucemia fulminante. Morreu no espaço de três dias.

Mas a doença nunca o fez perder a força de vontade e a alegria. Dizia que queria oferecer o seu próprio sofrimento como sacrifício pela Igreja e pelo Papa, na altura Bento XVI, e sempre que lhe perguntavam se estava com dores fazia questão de dizer que havia quem sofresse mais que ele.

Sobretudo, via a sua morte como uma forma de atingir o seu “plano de vida”, que era “estar sempre unido a Jesus” e chegou mesmo a afirmar que “estou contente por morrer porque vivi a minha vida sem gastar sequer um minuto a fazer nada que desagradasse a Deus”.

Referência para os jovens

A vida levada por Carlo Acutis fez dele uma referência para os católicos adolescentes e isso foi notado pelo Papa Francisco, que o deu como exemplo na exortação "Christus Vivit", que resultou do sínodo para os jovens.

“Ele sabia muito bem que estes mecanismos da comunicação, da publicidade e das redes sociais podem ser utilizados para nos tornar sujeitos adormecidos, dependentes do consumo e das novidades que podemos comprar, obcecados pelo tempo livre, fechados na negatividade. Mas ele soube usar as novas técnicas de comunicação para transmitir o Evangelho, para comunicar valores e beleza”, escreveu o Papa.

“Não caiu na armadilha. Via que muitos jovens, embora parecendo diferentes, na verdade acabam por ser iguais aos outros, correndo atrás do que os poderosos lhes impõem através dos mecanismos de consumo e aturdimento. Assim, não deixam brotar os dons que o Senhor lhes deu, não colocam à disposição deste mundo as capacidades tão pessoais e únicas que Deus semeou em cada um. Na verdade, ‘todos nascem – dizia Carlos – como originais, mas muitos morrem como fotocópias’. Não deixes que isto te aconteça!”

Incorrupto?

Depois de ter sido anunciado que Acutis iria ser beatificado a diocese de Assis, em Itália, decidiu exibir o seu cadáver, uma prática relativamente comum, onde possível, para casos de santidade.

As imagens do rapaz deitado, vestido de calças de ganga e ténis e com uma cara imaculada levaram muitas pessoas a dizer que se trata de um exemplo de incorruptabilidade dos restos mortais, o que é frequentemente entendido como uma prova de santidade.

Existem casos documentados de incorruptabilidade de santos na história do Cristianismo, sendo que o termo apenas é usado quando não existe explicação científica para o estado em que o corpo foi encontrado. Há, por exemplo, casos de santos cujos corpos foram tratados depois de mortos, ou que não sofreram a habitual decomposição por causa do tipo de solo em que foram sepultados, e por isso não são considerados incorruptos.

No caso de Carlo Acutis, porém, trata-se apenas de um equívoco. O bispo de Assis explicou que o estado do corpo do jovem beato era aquilo que se poderia esperar de um cadáver com a sua idade, mas para efeitos de exposição do corpo este tinha sido composto com “arte e amor” e a cara, a única parte que verdadeiramente está visível, foi coberta com uma máscara de silicone. Não é, por isso, um caso de incorruptabilidade.

Também a roupa que se usou não é a mesma com que ele foi sepultado. Em vez disso, e para realçar como Acutis era um adolescente normal, a diocese vestiu-o com a roupa que ele costumava usar no seu dia-a-dia: sapatos desportivos e calças de ganga.

Carlo Acutis vai ser beatificado no próximo sábado, em Assis, às 16h00 locais, 15h00 em Portugal continental.

[Notícia corrigida às 11h00 de quarta-feira]