O ex-juiz e atual ministro da Justiça do Brasil, Sérgio Moro, interferiu nos acordos de colaboração premiada (em que réus confessam crimes e ajudam nas investigações em troca da redução da pena) na Lava Jato, informou esta quinta-feira o jornal "Folha de São Paulo".
O jornal brasileiro publicou uma reportagem com mensagens de conversas entre Moro e procuradores da Lava Jato na plataforma de mensagens Telegram obtidas de uma fonte anónima pelo portal The Intercept Brasil, que estão a ser publicadas em parceria com vários meios de comunicação social brasileiros desde junho e colocam em causa a imparcialidade da maior operação contra corrupção do país.
Citando mensagens privadas trocadas no ano de 2015, o jornal aponta que Moro interferiu nos acordos firmados pelo Ministério Público Federal (MPF) brasileiro com dois executivos da construtora Camargo Corrêa, contrariando a legislação do país.
O ex-juiz, responsável pelo julgamento dos casos da Lava Jato em primeira instância até ao ano passado, quando deixou a magistratura para tornar-se ministro da Justiça, teria, segundo as conversas obtidas pela Folha, avisado os procuradores da Lava Jato que só validaria negociações com delatores da Camargo Corrêa se os acordos estabelecessem um ano de prisão.
Essa interferência contraria a lei brasileira sobre acordos de colaboração premiada, que diz que juízes devem manter-se distantes das negociações, tendo como única função neste processo a obrigação de verificar a legalidade das condições estabelecidas entre as partes após a assinatura dos acordos de colaboração.
O jornal também publicou diálogos entre o procurador-chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, com outros procuradores em que alerta sobre a necessidade de informar Moro sobre as negociações em andamento para garantir que o juiz aceite as propostas do MPF aos advogados dos delatores.
A Camargo Corrêa foi a primeira construtora a delatar crimes à justiça brasileira na operação Lava Jato, dando informações importantes sobre o cartel organizado por empreiteiras para ganhar os contratos com a estatal petrolífera Petrobras.
A Folha escreveu que consultou dois advogados que acompanharam aquelas negociações, que disseram que "dificilmente os executivos da Camargo Corrêa teriam aceitado cooperar com a Lava Jato sem ter alguma garantia de que os acordos receberiam o aval do juiz, segurança que só foi possível obter com as conversas que os procuradores tiveram com Moro durante as negociações".
Contacto pelo jornal, Moro afirmou que não participou das negociações de nenhum acordo de colaboração premiada quando era juiz responsável pela Lava Jato.
"Enquanto juiz, não houve participação na negociação de qualquer acordo de colaboração", respondeu, em comunicado.
Moro acrescentou que não reconhece a autenticidade do material obtido pelo The Intercept que foi partilhado com a Folha, mas não apontou indícios de adulteração nos diálogos.
Já a ‘task-force' da Lava Jato informou, através de comunicado, que não se manifestaria sobre o assunto sem ver os diálogos, mas reiterou que não reconhece a autenticidade do material.
"A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes”, referem os investigadores.
“O material é oriundo de crime cibernético e não pode ter seu contexto e veracidade confirmados", acrescentaram.