O PCP parece consolidar-se como parceiro do Governo, ou pelo menos não deixa o seu apoio por fiscalizar.
Depois das negociações com o Governo que levaram à abstenção do PCP no Orçamento do Estado para 2021 em novembro do ano passado que ajudou à aprovação do diploma, os comunistas não desistem de ter influência, poder negocial e também querem ir avaliando o rumo das medidas por que se bateram e que os levaram a aprovar o documento.
Até porque querem garantir não só que as promessas são cumpridas, mas que não haverá necessidade de orçamento retificativo ou suplementar.
As reuniões entre o governo e a delegações do PCP têm decorrido a cada quinze dias e de forma sectorial, tendo já havido encontros, pelo menos, com as equipas do ministério da Saúde e do ministério da Economia, ambas para avaliar a execução orçamental e com o secretário de estado dos Assuntos Parlamentares a servir de ponte, apurou a Renascença.
A reunião de há quinze dias com o secretário de Estado adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, resultou, por exemplo, no recente anúncio feito pela ministra Marta Temido de que a atividade adicional nos centros de saúde vai ter incentivos financeiros, uma norma que consta, de resto, no Orçamento do Estado deste ano por proposta pelo PCP e na qual os comunistas insistiram agora que avançasse.
Com a equipa do ministério da Economia os comunistas insistiram na necessidade de ser prolongado o período de vigência das moratórias de crédito, com fonte do PCP a admitir à Renascença que o partido tem recebido diversas queixas de pequenas empresas que assinaram contratos com os bancos antes da entrada em vigor das moratórias criadas pelo Estado e que há instituições bancárias que estarão a exigir já o recomeço dos pagamentos.
Queixas que os comunistas entregaram à delegação do ministro Siza Vieira e que esperam vir a ter resposta.
A execução orçamental tem sido o prato forte da discussão entre as delegações do Governo e o PCP, com os comunistas a afastarem (para já) o cenário de um Orçamento retificativo ou suplementar. "Isso é o que o Bloco de Esquerda quer para poder dizer que afinal tinham razão ao votarem contra o Orçamento", desabafa um dirigente comunista.
A mesma fonte comunista defende que o Orçamento do Estado que foi aprovado em novembro criou, de facto, uma margem para responder a necessidades que pudessem vir a existir, mas obviamente sem poder responder a um abalo financeiro e social como o que foi, entretanto, criado pela pandemia.
Bloco afastado, mas com disponibilidade
Enquanto o PCP mantem contactos regulares com o Governo e vigilância apertada sobre o Orçamento, o Bloco de Esquerda considera que o tempo lhe tem vindo a dar razão sobre o Orçamento.
“O ano está a começar e o Governo já por duas vezes veio corrigir os apoios sociais que estavam no Orçamento do Estado e nem sequer de uma forma generosa ou abrangente para combater a pobreza no país. Ou seja, o seu Orçamento não era capaz para enfrentar esta crise, que era o que o BE vinha dizendo durante o debate”, disse a líder do Bloco, Catarina Martins, em entrevista à Renascença e ao 'Público'.
Desde as negociações para o Orçamento que as relações entre o Bloco e o Governo não voltaram ao que eram. E o Bloco acusa agora os socialistas de centrarem as suas negociações com o PSD.
“Isso é verdade nas alterações sobre a forma como os fundos europeus vêm a ser gastos, nomeações disfarçadas de eleição para as CCDR, alterações no Tribunal de Contas, limitação de listas de candidaturas de cidadãos às autárquicas ou o acordo que acabou com os debates quinzenais no Parlamento. Veja o caso do aeroporto do Montijo: agora que a ANAC veio dizer, e bem, que não pode ser feito, porque os pareceres obrigatórios das autarquias são negativos, o PSD salta a dizer “por nós, até mudamos a lei para que aquilo que diz a ANAC já não valha nada”. O último ano foi um ano em que o PS contou com o PSD para uma governação crescentemente não ao centro, mas à direita”, acusa Catarina Martins.
Questionada sobre se os socialistas tentaram ou não contar com o Bloco, Catarina Martins apenas salientou o esforço do seu partido. “Nós fizemos um enorme esforço negocial. Votámos a favor do Suplementar, votámos a favor do estado de emergência, apesar das diferenças”, disse.
Apesar do afastamento, Catarina Martins garante que a moção que vai levar à Convenção do BE, marcada para maio, não é o corte definitivo das pontes com os socialistas. “Há hipóteses de diálogo à esquerda, e são particularmente importantes, mas é também necessário construir respostas de esquerda, tanto de emergência como estruturais, para a situação que estamos a viver”, afirma.
“Notámos o recuo do PS [em relação a medidas de esquerda], mas o que dizemos na moção é que continuamos a considerar que as respostas fundamentais que pusemos em cima da mesa continuam a ser fundamentais na resposta para o país. E aquilo a que nos propomos é construir caminhos e maiorias sobre essas soluções”, garante Catarina Martins.