Fogos de 15 de Outubro deixaram “cenário de guerra” e “excesso de voluntarismo prejudica"
18-10-2017 - 12:29

A presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região do Centro, Ana Abrunhosa, diz à Renascença que “o ponto focal da ajuda têm de ser as autarquias” e as “instituições de referência e habituadas a este trabalho”.

Veja também:


Pela primeira vez, uma responsável política assume de maneira clara que os prejuízos dos incêndios de domingo serão “muito muito maiores” do que os de Pedrógão. A presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região (CCDR) do Centro, Ana Abrunhosa, é assertiva na descrição do que ficou: “É um cenário de guerra”.

Em entrevista à Renascença, Ana Abrunhosa explica que, ao contrário de Pedrógão, onde a maior parte das empresas eram agrícolas e ligadas à floresta, a sucessão de grandes fogos de domingo afectou também muitas unidades ligadas à indústria.

Dentro de três semanas, deverá ser entregue ao Governo uma “primeira estimativa sobre os danos”, revela a responsável da CCDR do Centro.

Sobre a ajuda às populações, Ana Abrunhosadeiz que "as instituições não podem vir para o terreno contactar directamente as famílias, como aconteceu em Pedrógão e, depois, recuar nas ajudas”.

“Quem quiser ajudar, tem de se articular com as autarquias, não pode andar sozinho no terreno. As pessoas estão muito doridas, muito sofridas, não podem estar sistematicamente a ser abordadas por instituições e pessoas que, de forma generosa querem ajudar. A melhor forma de fazermos chegar ajuda é com articulação e com organização”, destaca.

Já há alguma ideia mais concreta dos prejuízos causados por estes últimos incêndios?

Neste momento, é impossível termos uma ideia concreta. Estamos a iniciar o levantamento no terreno. Temos a experiência de Pedrógão, mas é muito muito maior. Retirando a componente de vidas humanas – que aqui também se registou, em menor dimensão. Mas a componente de habitação, das empresas, da floresta é seguramente muito maior e muito mais dispersa.

Já tenho as equipas no terreno a fazer o levantamento, mas vai ser maior e não seria, da minha parte, sério quantificar neste momento. O compromisso que tenho com o Governo é daqui a três semanas ter uma estimativa do que serão os prejuízos; ter uma primeira estimativa do que serão os danos.

Estou a concentrar as equipas, sobretudo, na área da habitação, na das empresas – porque algumas vão ter de ficar em 'lay off' – e depois na área dos equipamentos e infraestruturas municipais, porque trata-se de garantir a prestação de serviços às populações, a água, a recolha de lixo e, com o Inverno, há muitas infraestruturas que têm de ter uma intervenção urgente.

Estas três dimensões são onde estou a concentrar os esforços para fazer os levantamentos e depois vamos começar a pensar nos apoios que temos, de imediato, começar a accionar.

Em termos de ordem de grandeza estaremos a falar de quantas empresas?

Provavelmente, de dezenas e dezenas de empresas e nas várias áreas: na área agrícola e mesmo na industrial.

E aqui é realmente uma realidade completamente diferente daquela que aconteceu zona de Pedrógão, onde falávamos sobretudo de empresas da área agrícola ligadas à floresta, mas aqui, dada a dispersão do incêndio, estamos a falar de prejuízos em empresas da indústria, da agricultura, da floresta. A dimensão vai ser muito grande.

Hoje, já tenho no terreno, nalguns municípios, uma equipa só para a parte levantamento dos danos da indústria, perceber as empresas que podem continuar a trabalhar e aquelas que vão ter de entrar em 'lay off' e os apoios sociais que têm de ter.

Porque nós temos que trabalhar. Uma das nossas obrigações é, ao estar no terreno, identificar outras situações e depois fazer a ponte ou com a Segurança Social ou com o centro de emprego ou com a área da saúde para apoio psicológico.

Portanto, este nosso trabalho no terreno também nos permite ir identificando, além de danos materiais, outras necessidades.

Tem visitado as zonas mais atingidas pelos fogos. O que mais a tem impressionado?

Isto é um cenário de guerra. É a minha primeira sensação.

As pessoas têm uma força extraordinária, os autarcas são de uma entrega extraordinária, mas neste momento temos de deixar as emoções de lado e ganhar forças para ajudar estas pessoas e o meu trabalho é focar-me rapidamente no levantamento para encontrarmos soluções. Só quando chego a casa é que dou asas à emoção.

Agora, o que eu sinto é que as pessoas, apesar desta tragédia, reerguem-se, reconstroem e só precisam de perceber que estamos ali para as ajudar.

E deixo uma nota muito importante, que foi a lição de Pedrógão: não podemos andar nisto a título voluntário. O excesso de voluntarismo não ajuda, prejudica. Temos de nos articular todos.

O ponto focal têm de ser as autarquias, porque são elas que conhecem todas as famílias, todas as pessoas. Quem quiser ajudar, tem de se articular com as autarquias, não pode andar sozinho no terreno. As pessoas estão muito doridas, muito sofridas, não podem estar sistematicamente a ser abordadas por instituições, por pessoas que, naturalmente de forma generosa querem ajudar, mas a melhor forma de fazermos chegar ajuda é com articulação e com organização.

E não precisamos de ser muitos! Temos que ser organizados e estar com vontade de fazer bem.

Há muita gente que quer ajudar. O que podemos então fazer nós todos individualmente? É contactar as autarquias?

É. Vou ser brutalmente honesta: as instituições não podem vir para o terreno contactar directamente as famílias, como aconteceu em Pedrógão, e depois recuar nas ajudas.

Há instituições que são de referência. Eu vou dizê-las: a Cáritas Diocesana é uma instituição com quem trabalhamos, é uma instituição de referência; a Fundação Calouste Gulbenkian é uma instituição de referência.

Vamos evitar trabalhar com instituições no terreno que estão demasiado politizadas e, portanto, quem quiser ajudar de verdade tem as autarquias. As autarquias conhecem tudo e todos e uma ajuda séria tem de passar por instituições que estão habituadas a fazer este trabalho no terreno de forma séria e profissional e sem quererem quaisquer protagonismos.

O ponto de partida é as autarquias. Temos de confiar e de nos articular no trabalho das autarquias. E instituições de referência e que estão habituadas a fazer este trabalho. Este trabalho não é para qualquer instituição.

Perante esse cenário que tanto a impressionou, como recebeu as palavras do Presidente da República?

O nosso Presidente conhece melhor do que ninguém o que se passa no terreno e recebi essas palavras muito bem. Foram palavras de conforto, foram palavras políticas, foram palavras de mudança e de novo ciclo.

Alguns criticam o nosso Presidente da República por demasiados afectos, mas as suas emoções são genuínas. Basta estar ao lado dele. É impossível não sentir o que ele sente quando estamos junto destas pessoas que perderam tudo. Perderam tudo.

Vi-as, portanto, de forma positiva e só me motivaram, a mim e à minha equipa, para ajudar estas pessoas e muito rapidamente.