Eleições autárquicas 2017:
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Foi uma noite em crescendo na sala reservada pela candidatura de Fernando Medina no hotel Altis da Rua Castilho, em Lisboa. Pelas 21h00, as palmadas nas costas e os sorrisos largos já andavam à solta pelo piso -1. "Isto é que foi uma tareia", atira um apoiante à entrada.
Thomas e outros três alemães destacam-se na sala pela altura e pela vermelhidão. Encostam-se ao fundo da sala a tentar perceber onde vieram parar. Viram gente com bandeiras, entraram no hotel e acabaram numa sala pintalgada de verde e vermelho. Afinal, os bandeirantes não eram adeptos do FC Porto, como desconfiaram quando começaram a segui-los. Estavam intrigados
“Estas pessoas estão a ouvir com respeito aquele que está no ecrã.” Nem por isso. É verdade que a sala se calou quando Pedro Passos Coelho começou a discursar, mas porque queria ouvi-lo a admitir que os resultados ficaram aquém dos objectivos. Depois irromperam em gritos de “PêÉsse” e os estrangeiros ficaram cada vez mais confusos. “É ele o ‘mayor’ de Lisboa?” Explicamos que é o líder da oposição. “Ohhh, estou a ver”.
Foi precisamente esta sala que viu António Costa assumir a derrota nas legislativas, há dois anos. Na altura, foi recebido com uma ovação tal que alguém mais distraído julgaria que tinha acabado de ganhar as eleições. Provou-se depois que os distraídos estavam mais perto da verdade.
Manuel e Lucinda Lopes estavam ali nessa altura. Lembram-se de António Costa entrar e todos gritarem que não se demitisse, “ainda antes de começar o discurso”, mas estavam longe de imaginar o que aconteceria a seguir. “Ficaram muitas dúvidas no ar, mas era preciso mudar alguma coisa” e acreditam que o acordo das esquerdas foi o melhor desfecho possível. “Conseguiram devolver a confiança aos portugueses”.
Não querem misturar eleições de natureza diferente, mas admitem que “há uma dinâmica que se gera” e que “estes dois anos têm um impacto” no resultado que agora celebram para a Câmara de Lisboa. E veriam com bons olhos uma réplica da “geringonça” no município. “Há pontes de diálogo que foram abertas e é perfeitamente possível – e até desejável – que se gerem”.
Ele é militante do PS, ela não, mas vêm quase sempre à sala do Altis em dia de eleições, porque acham “importante estar nos bons e nos maus momentos”. Estavam sentados no meio da sala, há horas, à espera de poder aplaudir Fernando Medina. “Está a ficar difícil, mas acho que vamos esperar”.
Costa a caminho de Medina
A festa ainda ia demorar a atingir o pico. Medina estava com a família num piso superior do hotel e só desceria depois da meia noite, para receber António Costa, que tinham vindo a pé do Largo do Rato para o saudar.
Minutos depois de dizer que esta era a "maior vitória autárquica" da história do partido, Costa saiu para a rua acompanhado pelo núcleo duro com o qual esteve reunido na sede do PS. Um grupo restrito do qual fazem parte, entre outros, Ana Catarina Mendes, sua adjunta (e coordenadora autárquica), e Carlos César, líder da bancada parlamentar e presidente do partido.
Visivelmente bem-disposto e sorridente, num quarto de hora de caminho, António Costa foi repetindo por outras palavras o que havia dito minutos antes no Palácio do Praia – que os resultados vinham reforçar a governação socialista a nível nacional.
Estávamos em cima da meia-noite, com as ruas praticamente desertas e a comitiva seguia sem interrupções de populares. Aqui e ali, apenas meia dúzia de simpatizantes se juntaram ao grupo.
O secretário-geral ia mantendo uma conversa animada com os repórteres salpicando as respostas com momentos de humor. "Abandonei a minha carteira de analista político quando cessei a minha colaboração na Quadratura do Círculo [programa da SIC Notícias]", retorquiu quando lhe perguntaram sobre o impacto nacional dos resultados eleitorais e numa futura postura face à oposição.
António Costa acabaria, ainda assim, por deixar deslizar que "passadas as eleições o quadro é mais favorável" para discutir questões como a descentralização, "que tem de reunir um grande consenso" para avançar.
Com a entrada do hotel à vista, ainda teve tempo de dizer que "cada eleição é a sua eleição", mas que daqui a dois anos esperava festejar outra vitória. Para já, a celebração era com Fernando Medina, em tempos considerado o seu delfim e número dois na autarquia e que já o ultrapassou.
Medina terá conseguido o "maior resultado de sempre numa primeira candidatura do PS" à Câmara de Lisboa, adiantava Ana Catarina Mendes logo no início da noite eleitoral.
Uma “geringonça” na câmara?
Catarina Passinhas esperava há quase cinco horas pela oportunidade de saltar da cadeira. Às 20h00 já ocupava um lugar privilegiado em frente ao púlpito. “Queríamos acompanhar desde o início e como tinha a certeza que o meu presidente Medina ia ganhar, vim comemorar antes.”
“Sempre achei que era como está ali.” Ali era o ecrã das televisões que dava cada vez melhores notícias ao PS. "Olha, olha, Guimarães!", ouvia-se na sala. "Preciso de respirar. Isto está a ser bom demais para ser verdade", desabafam dois jovens a caminho do exterior.
Tiago Lucas tem 20 anos e vem de Castelo Branco. Votou pela segunda vez na vida e pela primeira vez no PS. Não é militante e assistiu à campanha “como espectador”. Aponta o facto de estudar sociologia e filosofia como um dos factores que justificam o seu “interesse largo nestas matérias”.
Ainda não vota em Lisboa, mas quis ir ao Altis “cantar vitória” porque passou a identificar-se com o PS. Considera que “a forma como os portugueses olham hoje para o partido mudou”. O mesmo aconteceu com ele. “As mudanças que se estão a verificar e as boas notícias que estão a aparecer estão a mostrar que o que estava em cima da mesa em 2015 está a cumprir-se”. Ou seja, “está a cumprir-se” a visão que os socialistas tentaram vender ao país na campanha para as legislativas. “Isso não era visível na altura, para mim e para muitas pessoas, e agora estamos a cair na realidade das coisas”.
De tal modo que acredita que “é até desejável termos uma espécie de geringonça na Câmara de Lisboa”. “Estamos a criar uma certa cultura política de necessidade de entendimento entre vários partidos, em que temos as principais forças de esquerda a criarem compromissos conjuntos” e Tiago gosta desta “espécie de jogo que favorece todos os projectos”.
Uma opinião provavelmente partilhada pela maioria dos que ali estavam, a julgar pela chuva de palmas que a sala ofereceu depois a Fernando Medina, quando o ouviu admitir a possibilidade de atribuir pelouros à oposição e a necessidade de “união entre os vários projectos para que Lisboa possa avançar” (naturalmente, “uma convergência” que será “mais fácil à esquerda”, diria).
Mas isso seria já na apoteose de uma longa noite, com Medina a reivindicar para si a última palavra. Esperou até que os resultados fossem o mais conclusivos possível, mas acabou por discursar ainda sem se saber se atingia a maioria absoluta.
Já perto da 1h00, o presidente eleito irrompia finalmente pela sala, para lá de sorridente, a sublinhar a “grande vitória” e a distribuir abraços.
Sublinhou que o partido recusou “fazer uma campanha de crispação, de casos, de radicalismo e de ofensas”, e que o lema “Lisboa precisa de todos” não era apenas ‘slogan’, mas “uma afirmação política”. Considerou reforçada a ideia de que “a governação da cidade é feita do reconhecimento das diversidades, da procura do equilíbrio, do diálogo, dos pontos de união e não dos pontos de dissenso”.
Medina reluzia no discurso de vitória e foi brincando frequentemente com António Costa, outro ilustre reluzente, sentado à sua frente. Chegou a arrancar uma gargalhada ao secretário-geral do PS quando disse que aproveitava “a presença do secretário-geral, que é também em simultâneo, primeiro-ministro, para lhe dizer que porventura ele terá saudades das negociações do orçamento quando nós lhe apresentarmos a nossa proposta de descentralização de competências”, sublinhando que queria “gerir melhor que a administração central”.
Quando abandonou o palco, Medina não sabia ainda até onde iria a sua margem de manobra na autarquia (os resultados oficiais, divulgados já ao final da noite, deram-lhe maioria relativa). A julgar pela extensão desmesurada do sorriso, naquele momento pouco lhe importava.