O Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas vai retomar a assistência alimentar na região de Cabo Delgado. A informação foi confirmada à Renascença pelo diretor da Cáritas de Pemba, Manuel Nota.
O responsável revela que "em meados do mês de março" será retomada a ajuda à população que, às dificuldades alimentares, junta o problema da insegurança relacionado com o terrorismo.
Nesta entrevista à Renascença a partir da cidade de Pemba, Manuel Nota fala da forma como a população tenta minimizar a questão da fome e fala do “desespero no rosto das pessoas quando a Cáritas revela as suas dificuldades em ajudar”.
No inicio de fevereiro denunciou dificuldades do Programa Alimentar Mundial e alertou para a falta de alimentos para as vítimas do terrorismo. De lá para cá já houve alguma evolução?
Bem, há dias eu estive a falar com algum pessoal lá do PAM, Programa Mundial de Alimentação, e fiquei sabendo que eles conseguiram algum fundo interno.
E disseram-me que iriam retomar a assistência alimentar a partir de meados deste mês de março.
Tudo indica assim que a situação vai estar minimamente resolvida. Para além disso, neste momento, os campos de cultivo estão carregados de produção, não é.
Eu fiz visita na segunda-feira ao campo e tive a oportunidade de ver que muitas machambas agora têm maçaroca na fase de matura. Isto significa que dentro das próximas 4 semanas a população já estará a tirar alguma produção para poder se sustentar.
Até lá vai manter-se uma grande dificuldade em conseguir alimentação?
Vai, vai. Mas agora as pessoas estão a usar a maçaroca, usam abóbora, por exemplo, tem um pepino que já se pode consumir e eu que acredito que podem recorrer a isso para minimizar a questão da fome. Porque enquanto o PAM não estiver lá, eles não têm outras alternativas.
A dificuldade do Programa Alimentar Mundial está relacionada com a guerra na Ucrânia?
Quero acreditar que seja isso, mas antes mesmo da guerra da Ucrânia, em algumas reuniões em que nós fomos participando, o PAM já foi anunciando que a capacidade de fundos estava a reduzir e que a partir de uma certa altura, iriam anunciar a paragem. E pararam mesmo em fevereiro e tiveram que vir a público e dizer que infelizmente já não tinham capacidade para dar continuidade ao Programa, que agora repito devem retomar.
Deixe-me perguntar-lhe e pedir-lhe a sua perspetiva, o seu relato de situações que tenha vivido nos últimos tempos, nomeadamente decorrentes desta situação relativa à falta de alimentos. Como é que as pessoas encaram as situações de fome?
Então, quando veem a nossa presença, eles já ficam com alguma esperança de ver o problema resolvido, mas quando nós tivemos de dizer que não tínhamos fundos para a dar assistência alimentar devida, nós sentimos o desespero, ou conseguimos ver no rosto das pessoas um espírito de desespero total. E sentimos o seu desabafo: Agora aqueles que nós estávamos a confiar que viriam aqui para me salvar também não podem ajudar. O que é que vai ser de nós?
Então, nós (Cáritas) deixamos sempre uma mensagem de encorajamento e como não podemos ficar de braços abertos à espera de apoio, decidimos mudar de estratégia.
Temos que passar agora a pedir sementes e pedir enxadas para podermos trabalhar, porque isso é que nos vai tirar dessa pobreza absoluta, em que nós estamos a viver.
E, nesta altura, os relatos de fome continuam na região?
Como eu disse, no princípio, os Campos já têm algumas culturas que dão para minimizar essa situação de fome. Já não podemos afirmar que exista tanta fome, porque as pessoas já conseguem matar a fome com aquilo que existe na Machamba, mas antes da machamba produzir, aí sim, as pessoas estavam a gritar de tudo o que é lado, procurando por apoio alimentar. Agora a situação está minimamente controlada.